27 maio 2013

Paciência de guia


Nesta viagem conheci mais uma categoria de profissionais pelos quais virei fã para sempre. Os guias turísticos. Nesta excursão ficou provado que eles todos merecem uma suíte presidencial em hotéis cinco estrelas no céu com spa e pensão completa.
O grupo que eu viajei foi pequeno, doze pessoas, o que não era suficiente para ter um guia exclusivo. – Só vai ter guia exclusivo se fecharmos um grupo de vinte pessoas - deixaram bem claro. Mas a confusão foi tanta, de tanta gente querendo o dinheiro de volta, que eles mandaram para nós, e só nós tínhamos, um anjo carioca chamado Maria José.
Zezé é guia de grupos de adultos, crianças e adolescentes há vinte anos. Fora ela, em cada cidade tinha um guia local e muitas vezes dois, tinha também o local do local. Portanto, tive contato com uns quinze deles pelo menos. E com a proximidade que estávamos, e com a quantidade de tempo que passamos juntos, não tinha como não analisar profundamente a relação deles com os seus queridos passageiros.
Vamos lá, uma guia tem que acordar mais cedo que todo mundo, preparar uma voz boa e ligar para o quarto de todos uma hora antes da saída do grupo. Ela liga e repete o que foi dito pelo menos cinco vezes na noite anterior, fala de novo qual é a hora do café, a hora de descer com a mala e a hora de entrar no ônibus. Ela avisa se está chovendo, se está frio, se não pode vestir bermuda porque vai entrar em uma igreja. Ela te lembra de pegar o ingresso, ela manda beijo, tudo numa voz ótima em um horário de média de 5:30 da manhã.
Uma guia vive te contando. Ela conta o seu grupo no café, no ônibus, no metrô, em toda mudança de sala de um museu. Uma guia te avisa dos degraus para que você não se estrebuche no chão, não caia no mar, não seja atropelada por um carro, um cavalo ou uma bicicleta. Uma guia faz o check-in de todo mundo, se deixar ela quer te ajudar a carregar a sua mala, a sua mochila, ela carrega a sua vida.
Uma guia tira fotos suas, é a única no grupo que se oferece para fazer isso. Já disse que uma guia repete tudo muitas vezes? Pois ela repete, fala no microfone do ônibus, depois fala do auricular que mesmo que só contenha três botões, on/off, mais volume e menos volume, ela tem que sair colocando um por um para funcionar. E depois de ter terminado de dar o aviso, exatamente dezesseis segundos depois, vem alguém e pergunta a mesma coisa.
Ai, agora o que dói mesmo são as perguntas. Preparados?? Respirem.
- Zezé, como é mesmo esse negócio de gôndola? É que a minha mulher tem medo de altura...
- A gente vai chegar que horas na Torre de Pizza?
- Nesse hotel que a gente vai tem hi fi??
- E por que é mesmo que esses artistas (escultores gregos) faziam as esculturas sem cabeça ou braços, todas assim amputadas??
- Zezé, vocês vão levar a gente para tirar foto no túmulo da Julieta???
Eu queria me desintegrar rapidamente, eu sou assim, morro de vergonha pelos outros, chego a sentir dor na barriga. Nada no mundo irá me fazer entender a razão da admiração dos turistas pela banheira do Nero, a cueca do Napoleão e o bidé da Maria Antonieta. 
Guia tem que dar aula de história, de geografia, de cultura local, tem que saber curiosidades, fofocas e piadas, tem que ser enfermeira, tem que entreter, animar, acalmar, depende do ponto em que está.
Ela me contou que esse negócio de dividir quarto com quem não conhece dá um problema danado, muita gente faz isso, paga um preço caríssimo para pagar barato. Ela já teve que apartar duas que quase caíram nos tapas. Disse de outra que ia dormir na banheira toda noite porque a colega de quarto roncava muito.
Imagine administrar tudo isso? Imagine um grupo de cinquenta meninos de quatorze a dezesseis anos em um avião, todos acendendo a luz para chamar a comissária, como um dominó, um por um? Ela disse que tinha que fazer cara séria mas sentia um impulso incontrolável de rir, ai que dureza. Um guia tem que segurar o tempo inteiro uma bandeira, uma sombrinha com a haste esticada, ou uma mãozinha que faz barulho, um lenço ou uma antena com variações, vi até uma com um pikachu grudado na ponta. Tudo para chamar atenção para que nenhuma ovelha do seu rebanho saia da rota.
E na hora que começam a berrar, quer dizer, reclamar? Pobre Zezé. A banheira de um que vazou, o pé do outro inchou, um está passando mal no barco, um achou aquela comida muito ruim e o outro achou muito cara. Outro dia que ela avisou umas sete vezes, (já falei que guia que é guia tem que repetir?), espirituosa: Olha, esse hotel que nós vamos é longe de tudo e perto de nada... E o ônibus nem tinha terminado de frear que  uma metade do grupo perguntava se era longe enquanto a outra metade reclamava que era longe.
Eu usei protetores de ouvidos, de olhos, de costas, de nervos, de tudo. Se não fosse o ipod e esse computador não estaria aqui para contar a historinha da paciência da Zezé, minha ídola.

Em sua homenagem a partir de agora vou mudar o sujeito da expressão “paciência de Jó” para paciência de guia, porque mesmo que eu não tenha a menor ideia do que Jó fez para merecer esta referência, imagino que guia ele não foi e muito menos conheceu a nossa anja Zezé.



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