26 abril 2013

Uma mala de esperança


Existe viagens e viagens. Viagens de trabalho, de passeio, de reunião, de fuga, de curtição, de descanso, de casal, de família, de estar só. Eu estou me preparando para uma viagem no mínimo terapêutica e no máximo, se eu conseguir atingir a meta (e como não?), transformadora.

Imagine o que se deve colocar na mala para uma viagem assim. Primeiro eu pensei no que eu não quero levar. Vou deixar aqui, e tomara que não esteja me esperando quando eu voltar, as recentes tristezas e desilusões. Vou deixar o medo de que alguma coisa dê errado, vou deixar o peso das responsabilidades, quero uma mala bem levinha. E bem do lado de todos os sapatos que apertam os meus pés, vou deixar para trás tudo o que aperta o meu coração.

Vou levar uma página em branco. O notebook, um caderninho na bolsa e uma câmera com um cartão de memórias zerinho. Já tem um tempo que estou colocando na bagagem umas palavrinhas em outros idiomas. Fora isso o HD da mente tem que estar o mais limpo possível. Vou levar um livro para ler e outro para escrever. O que ocorrer, o que eu viver, que flua! Vou levar a minha mamãe para vivermos momentos inesquecíveis. Vou levar um casaco só, umas echarpes e um chapéu que eu nunca uso, quem sabe eu não encontro uma nova versão de mim? Não posso me esquecer do kit básico para correr em lugares que nunca pude imaginar. Na necessaire batons de todas as cores. Estou levando também uma playlist no iphone que sem pesar nada e que trará tonelada de alegria.

Vou levar este blog e a companhia de vocês que eu gosto tanto. Vou levar a esperança. Aquela que eu sinto quando vou a lugares pela primeira vez ou quando eu vivo uma experiência inusitada simples e deliciosa. Para isso só preciso acreditar, marcar o vôo, estar com o coração aberto e o sorriso na ponta da língua.

Faz tempo que eu fiz um trato comigo de ser feliz. E nele está previsto que eu preciso viajar, para onde for com pessoas de todos os jeitos, de tempos em tempos. Seja para ampliar os horizontes e ver que as dificuldades são irrisórias diante da beleza deste planeta e de suas infinitas possibilidades ou seja simplesmente para sentir uma saudade imensa de tudo que eu tenho aqui e querer voltar correndo pra casa.

Elementar e sensacional. Dúbio e verdadeiro. Supérfluo e fundamental. De raízes e asas. Incrível e falível. Assim sou eu e assim cheia de sonhos sempre vai ser a minha mala.


21 abril 2013

Sob o sol de outros lugares


Acabei de assistir "Sob o sol da toscana", um filme super recomendado para quem quer se apaixonar pela Itália, levantar o astral ou simplesmente passar muito bem as suas últimas horas de Domingo.

A Diane Lane está maravilhosa como a Frances, uma escritora recém divorciada deprimida que ganha uma passagem para a Toscana, onde se encanta pelo lugar, compra uma casa e a partir daí tudo começa a mudar.

Escolhi como frase núcleo do filme uma que a amiga de Frances, uma personagem bem poética, disse que ouviu do Frederico Fellini:

"- Você deve viver de forma esférica, em várias direções. Nunca perca o seu entusiasmo infantil e boas coisas lhe acontecerão."

E é esta é a qualidade otimista que predomina no filme, tornando- o uma comédia romântica deliciosa e irresistível. Está bem na linha do livro "Comer, rezar e amar", dá vontade de largar tudo que não deu certo e recomeçar a vida em um outro lugar, na Itália de preferência, com todas as suas cores, sabores, história e vibração.

E quem não pode ir morar fora que pelo menos viaje. Quem não pode viajar que pelo menos leia, conheça, assista filmes e percorra o mundo com a imaginação. As minhas filhas amaram o filme, estão loucas para ir à Itália agora e até então nunca tinham tocado no assunto. Se eu tiver a oportunidade de mostra-las que a vida e as suas possibilidades vão muito além de tudo que a gente vê e consome aqui, já me dou por satisfeita.

Então fica aí a dica, bom filme e bons sonhos de percorrer novos caminhos.




19 abril 2013

Munidos de amor


Há quem acredite que o único recurso possível de doar para as instituições filantrópicas seja o dinheiro. Esses não conhecem a realidade destes lugares e muito menos os amigos que tanto admiro, os dirigentes que dedicam as suas vidas na missão de servir ao próximo.

Como Abraham Maslow descreveu em sua "Hierarquia de necessidades", as carências do ser humano vão bem além das fisiológicas (fome, sede, sexo, excreção e abrigo). Temos necessidade de segurança, necessidades sociais (de nos relacionar, de amor), de auto-estima, de auto-realização até chegar ao que transcende a esta pirâmide, temos necessidade de espiritualidade.

Nesta última semana fiz duas visitas. Totalmente despretenciosas, cheguei pra ver como estavam todos, de mãos abanando.

Na primeira fui à  Creche Béu Machado, encontrar a D. Nenê. Ela estava aflita, preocupada, não tinha dormido bem naquela noite, sentia náuseas e nem respirava direito. Tinha reformas para fazer, a vigilância sanitária no seu pé, dívida no banco, a conta não fechava nunca, mesmo depois de vinte e sete anos de jornada e experiência.

Sentei com ela e a sua equipe e juntos, iluminados pela equipe do céu, só pode ser, criamos alguns projetos e ações para angariar fundos. Fora isso eu a ouvi. Deixei que ela falasse sobre as suas tristezas e os seus sonhos.

Ela foi empregada doméstica e não pôde estudar. Disse que quando mocinha olhava para as outras meninas com fardas de saias de pregas e sentia muita vontade enorme de ter uma daquelas. Que hoje o sonho dela era morar na creche com todas aquelas crianças, que ela tem tanto a fazer que nem sabe por onde começar.

Eu disse para ela:

- D. Nenê, antes de começar esta reunião eu pedi licença e fui ver os meninos em suas salas. E a senhora sabe que a primeira coisa que eu notei foi a farda deles? Tão lindas, limpas, as blusas por dentro dos shorts. E as das professoras combinando! Será que se a senhora não tivesse desejado tanto aquela saia de pregas lá atrás eles estariam vestidos assim? Será que se a senhora não tivesse sofrido com seu patrões, seus pais e a sua vida, estas crianças estariam aqui? Olhe para essa creche, olhe o que vocês construíram! O que há por fazer é o mínimo diante do que a senhora já fez. E que bom que eles todos tem para onde ir quando saem daqui no final do dia, o que precisamos fazer é orientar estas famílias na educação deles. E como a senhora não mora aqui? O que é esse muro??

Ela mora na casa ao lado, gente. Vive lá, um menino espirra e ela ouve. Só sei que saímos abraçadas, ela e eu respirando bem melhor.

E ontem fui ver Sr. Reinaldo da ACCABEM, um querido amigo de muitos anos. Estava em um dia ótimo, mesmo com o fato de as chuvas recentes terem derrubado todo o forro de gesso da área de circulação. Mesmo assim, ele que é espírita, estava agradecendo à Deus porque não caiu na cabeça de nenhum dos seus idosos. Disse que o saldo da despesa mensal está no azul, raspando mas está. Que não dá pra fazer melhorias, a obra da construção da creche está parada há anos e o forro vai ter que esperar ajuda, mas que é assim mesmo e vamos pre frente.

Levei uma prima para conhecer e fomos com ele andar pelos quartos, todos lotados, noventa e três acamados. Era lindo de ver a alegria com que as senhoras nos recebiam. - Pode entrar! - em uníssono. Elas o adoram, todas querem beijo e abraço. Até que uma falou:

- Ô doutor... - E ele a interrompeu - Eu já te disse que eu não sou doutor, eu sou marceneiro. - Ela continuou: - Sim, pois é, o senhor faz favor de chamar alguém pra me buscar porque me deixaram aqui ontem não sei porque. - Ele me olhou e disse que ela tem Alzhaimer, que está lá a mais de um ano e todo dia fala a mesma coisa. Olhei para sua carinha sorridente atrás de uns óculos escuros enormes vermelho e perguntei se ela gostava de lá. Ela disse que sim e depois me pediu a mesma coisa.

Andamos mais um pouco eu vi a Rita, uma figura que só de olhar a gente já se sente feliz. Ela se apresentou, me convidou pro seu aniversário e perguntou pra nós se éramos casadas e se tínhamos filhos. Vera disse era casada e eu disse que não, Vera disse que tinha dois filhos e eu disse que tinha três.

- Tem três e é sorteira, imagine se fosse casada hein fia??? E deu uma risada que reverberou por toda a cidade de Lauro de Freitas.

Saí rindo pelo corredor até que ouço um reclamar com um prato na mão: - Reinaldo, a carne tá pouca!!! E ele responde: - Tá por baixo!!! - E seguiu retomando o assunto. E eu o riso.

Depois vimos D. Cecília, um bibelô do lugar, que me pediu para levar para ela uma mala para ela guardar as roupas das suas bonecas. Disse que quando partir para sempre vai ter que deixar tudo arrumado para as crianças que as herdarão.

E por último o Sr. Reinaldo me convidou para a seção de orações que acontece lá semanalmente. Perguntei o horário e ele respondeu: - Toda sexta às vinte horas.

- Hein?? Reza sexta à noite? Aonde?? Aí o santo é outro Sr. Reinaldo!!!

E dessa vez foi ele que morreu de rir.

Entendem? Podemos doar também o nosso tempo, o nosso serviço e principalmente, podemos nos doar. Quando vamos, levamos e trazemos o amor. Levamos e trazemos idéias, alegria, carinho, boa vontade, pensamentos, sensações, consciência, histórias de vida e esperança. Que vai muito além das necessidades básicas descritas pelo Maslow, que vai bem além do que o dinheiro pode comprar.
Estão esperando o quê?



14 abril 2013

Saudades tantas


Pense em uma pessoa, um lugar ou qualquer coisa que você esteja sentindo saudade agora.
Foi fácil?
Para mim é fácil lembrar
Do que não é nada fácil esquecer.
Eu tenho várias, quase todas,
Eu sinto muitas saudades.
Na verdade eu só não morro de saudade porque vivo fazendo uma nova alegria acontecer
Para sentir saudade dela depois.
Tenho saudade de todo jeito, de tudo feito.
Saudade de lugar é colorida,
Saudade de comida água a boca,
Saudade de cheiro tira o ar,
Saudade de música nos transporta,
Saudade de amigo faz sorrir e ligar,
Saudade de outro tempo faz chorar,
Saudade de quem morreu é injusta,
Saudade de paixão dói aonde quer que se vá.
O que fazer com elas?
Com a mansa, com a ingrata, com a suave e com a feroz?
Como é que se tampa esses buracos?
Como é que se mata saudade que não pode matar?
Ei você aí, me dá um conselho aí.
Dá um colo, uma promessa, um remédio,
Um abraço, um SMS, um sinal de fumaça.
Uma oração, um segredo, um consolo.
Dá um sonho que demore uma noite inteira.
A quanto está o quilo de esperança?
A saudade escolhe uns dias para nos apertar mais.
Adora Domingo à noite.
Saudade adora a chuva,
Adora o frio.
Ela só vem quando há silêncio,
Um silêncio interno de coração vazio.
Ela anda ao lado das armadilhas,
Quando a gente tropeça ela quer nos segurar.
Saudade é a lembrança que não quer passar.
E o pior é quando nos apaixonamos por ela,
É, pela saudade do que já fomos apaixonados um dia.
E não deixamos que ela se vá.
Pois que fique, pelo menos ela,
Pelo menos a saudade do que não queremos largar.

12 abril 2013

A arte de viver



A Yoga é um esforço que a pessoa faz para vivenciar pessoalmente a sua divindade. Yoga é domínio de si e esforço dedicado a desviar a atenção das reflexões intermináveis sobre o passado e preocupações infindáveis com o futuro para, em vez disso, conseguir buscar um lugar de eterna presença, onde se possa olhar com tranquilidade para si mesmo e para o mundo ao redor. Somente desta perspectiva  de equilíbrio da mente  é que a verdadeira natureza do mundo (e de você próprio) lhe será revelada.
Estas palavras vieram do capítulo 38 do livro "Comer, rezar em amar" da Elizabeth Gilbert, e coincidiram com o início da minha prática dos exercícios de respiração do curso "Arte de Viver". Assim como os assuntos se cruzam em minha vida eles se cruzam em meus textos, a junção da releitura deste livro com a descoberta desta prática veio em boa hora.
A Arte de Viver é uma ONG fundada por Sri Sri Ravi Shankar em 1981, e presente em 150 países. As pessoas que trabalham são voluntárias em iniciativas contra o estresse e serviços sociais. Eles oferecem vários cursos, eu fiz o primeiro.
E lá pensei várias coisas, e ,melhor, aprendi como deixar de pensar, já que o turismo da mente, ou o fato de deixarmos a nossa mente viajar sem parar entre o passado e o presente, nos traz muita frustração e ansiedade. Aprendi sobre o momento presente, e até como voltar a respirar como as crianças, que são cheias de prana (energia vital) e sempre estão no aqui e agora. Lá, eu soube que respiramos apenas trinta por cento da nossa capacidade, e que oitenta e cinco por cento das toxinas que provocam doenças são eliminadas com a respiração. Nós nada mais somos que fruto das nossas emoções.
"Saia da mente pequena e vá para grande a mente!", dizia Peixinho, o nosso mestre no curso. E lá estava eu, concentradíssima, para fazer as respirações: Ujjayi (que quer dizer vitória da respiração sobre a mente), o Pranayama, a Brástrica, o OM e o Sudarshan Kriya.
Parece complicado, mas e só ir lá para saber o quanto é simples e faz bem. Simples como esta metáfora do professor: - Pensem nas pessoas como carteiros. Os conflitos e os entraves são apenas as cartas que elas trazem com as questões que precisamos resolver". Gostei disso, alguém briga com o carteiro quando ele traz intimações, más notícias ou contas caras para pagar? Concordo que tudo que passamos tem um propósito de acontecer, e as pessoas que cruzam o nosso caminho têm uma missão em nossas vidas, sempre para que nos tornemos melhores. E atenção para não super dimensionar as coisas: lembre-se de pensar a vida com a grande mente!
"A existência é um fato, viver é uma arte." diz Sri Sri Ravi Shankar. Respirar, todos respiramos, mas respirar com consciência só para os que a desenvolvem. Viver, todos vivemos, mas viver com saúde no coração, a ponto que seja possível conhecer, sentir e nutrir-se do Deus que está em cada um de nós também. Namastê!

11 abril 2013

Meia noite em Paris

Meia noite em Paris


Pensando em minha próxima viagem, ontem assisti novamente "Meia noite em Paris", o filme do Woody Allen que mais adoro. Em 2012, o filme levou o Oscar de melhor filme, direção, direção de arte e melhor roteiro original.
O tema "nostalgia" é tratado de forma genial. As imagens são lindas. A música, o desejo de andar na chuva, tudo é um deleite para os nossos sentidos. "Podemos ir a um lugar onde possamos ouvir nossos pensamentos?" Diz o Gilbert Pender, interpretado pelo fantástico Owen Wilson, ao conduzir a Adriana (a linda Marion Cotillard) para um dos passeios poéticos do filme pelas ruas de Paris.
Gil é um escritor americano que quer morar em Paris, mas gostaria mesmo de ter vivido na cidade luz em outra época. No processo criativo do seu livro, onde o personagem principal trabalha em uma loja de antiguidades, ele tem a oportunidade de "visitar" os seus grandes ídolos: Scott e Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway, Salvador Dali, Pablo Picasso, Gertrude Stein, Cole Porter, entre outros. Os diálogos são incríveis e eu trouxe de presente uma palhinha.
Ecstasy para muita gente é uma pílula para ficar louco. Êxtase para mim é algo como o Ernest Hemingway na pele do Corey Stoll, que ao conhecer o colega escritor com baixa autoestima o encoraja ao dizer: "No subject is terrible if the story is true, if the prose is clean and honest and if it affirms courage and grace under pression." Ou seja: "Nenhum tema é horrível se a história é real, se o texto é claro e sincero e mostra coragem e encanto sob pressão."
E segue honestamente: "Não me dê seu livro para ler porque eu vou odiá-lo de qualquer maneira. Se for ruim, porque odeio péssima literatura, e se for bom vou odiá-lo porque terei inveja, escritores são competitivos! Se é escritor, seja o melhor escritor!” Foi bom pra você como foi pra mim?
"Nostalgia é a negação do passado doloso, é a busca por um mundo melhor do que o que vivemos", diz um outro personagem do filme. Pender, que é de 2010, queria ter vivido nos anos 20 (a época de ouro), se apaixona por Adriana, que vive nos anos 20 e gostaria de viver na Belle Epoque, em 1890. Eles vão até lá e ao sentarem-se com Tolouse-Lautrec, Paul Gauguin e Edgard Degas ouvem que aquela é uma geração "desprovida de convicção e imaginação", que eles gostariam de ter vivido na Renascença (fim do sec. XVIII até meados do XIX). E então Pender repensa esta insatisfação que é de todos, não importa a época em que se viva.
E para fechar, uma da Gertrude Stein na pele da maravilhosa Cathy Bates, ao orientar o Gil no seu livro:
"- ... Tememos a morte e questionamos o nosso lugar no universo. A tarefa do artista é não sucumbir ao desespero, mas achar um antídoto para o vazio da existência."
Voilá!! Que assim seja. Me inspirando para poder inspirar outros, um verdadeiro êxtase.



10 abril 2013

"A paixão" por Danuza - e por nós.



Ai ai, rapadura é doce mas não é mole não. Hoje trouxe um texto que eu não escrevi mas que eu poderia, não pela habilidade, sei que estou a anos luz da autora, a Danuza Leão em seu livro "Danuza e sua visão de mundo sem juízo", mas sim pela identificação com cada palavra, esse texto doeu como um soco no estômago quando li. Acho Incrível quando um (a) autor (a) consegue fazer isso, criar uma identificação imediata, colocar em palavras o que há de mais íntimo em si, que traduz o íntimo dos leitores, todos vulneráveis às essas armadilhas da condição humana. Esse é o estilo de escrita simples e direto que gosto e que escolhi. Tomara que vocês gostem e se identifiquem. Ou não, melhor que não, nossa como isso dói. Ou talvez melhor que sim, porque viver isso é provar da plenitude da vida. Sei não, para escrever não é preciso ficar em um lado do muro, é? Basta levantar os dois lados, dar um pouco de asas à ambos, mexer com os estômagos dos outros e sair elegantemente à francesa como a Danuza sublimemente sabe fazer. Enjoy it!


"A paixão

      Para viver uma grande paixão é preciso que duas pessoas se queiram com a mesma intensidade e com o mesmo desespero, com o peito sufocado e sem nenhum limite.
      Aliás, que erro falar de uma grande paixão; não existem grandes ou pequenas paixões; só existe a paixão - que é única. E que não se confunda, jamais, pessoas apaixonadas com as que vivem uma paixão.
      Quem vive uma paixão deve ser desobrigado de todas as coisas, a começar pelo trabalho; é impossível viver normalmente quando ela acontece. Quem é atingido por uma paixão não precisa de nada, todo o resto é sem importância, inútil, dispensável.
     Os que vivem uma paixão não comem, não dormem e respiram mal - quando respiram; não lêem jornal, não vêem televisão, não vão ao cinema, não precisam ganhar dinheiro, nem mesmo abrir a janela para saber se está chovendo ou fazendo sol. E se o mundo estiver se acabando, é sem importância. Mundo? Mas que mundo?
     Quem vive uma grande paixão não vai à praia, não viaja nem convive com outras pessoas - não quer, não pode, não consegue e nem deve. Uma paixão não é alegre nem triste; é absoluta, e, quando acontece, todo o universo deixa de existir.
     A paixão suga, devora, esgota, consome e exaure; ela exclui a amizade, a solidariedade, a bondade, a lealdade, a responsabilidade. Ela só existe para ela mesma, e sem meio-termo: a paixão é exclusiva e devastadora.
      No espaço de uma vida podem acontecer dez, trinta, cem amores, mas paixão só uma. Os amores - maiores ou menores - podem ser até felizes, mas a paixão marca o corpo e a alma, e para sempre; ela não tem nada a ver com felicidade nem está interessada. Aliás, o que é mesmo essa bobagem de ser feliz, quando se vive uma paixão?
     Quem vive uma paixão não se distrai com nada, não vê, não escuta, não consegue ler um livro, não sabe se está fazendo calor ou frio, não tem fome nem sede, porque não consegue pensar em outra coisa. Uma paixão é uma paixão, ponto.
     Existem os que nunca vão saber o que é uma paixão, e nunca vai se entender por que só alguns são escolhidos, eleitos ou condenados a passar por esta prova; porque é uma prova, e ninguém sai dela ileso. Para viver uma paixão é preciso abrir mão do corpo, da alma, das idéias, do desejo, do eu. A paixão é egoísta, exigente, exclusivista, e não aceita compartilhar nem dividir, é ela ou nada.
     Alguns passam pela vida - feliz ou infelizmente - sem conhecer a paixão. Quando ela desponta, há um momento em que ainda é possível recuar; mas quem se deixar levar deve saber que é um precipício onde vai ter que se atirar de olhos fechados, seja para o que for. Depois é o abismo, onde não pode existir nem passado, nem futuro, nem mesmo a vida.
     E é por isso que um dia a paixão acaba - para um dos dois. É quando um deles se dá conta de que para viver uma paixão é preciso abrir mão de tudo, de absolutamente tudo, para que ela possa continuar existindo.
     Pobre de quem não viveu uma paixão; pobre de quem viveu uma paixão. Pobre de quem sucumbiu a uma paixão; pobre de quem sobreviveu a uma paixão.
     Porque quem sobreviveu fez a mais difícil de todas as escolhas: entre a paixão e a vida preferiu a vida, e nunca vai saber se fez a escolha certa; afinal, a paixão só acontece uma vez - quando acontece. E nunca mais."



09 abril 2013

Meu livro, meu marido



Demorou, mas enfim caiu o mito dos contos-de-fadas. E, cá pra nós, não tenho do que reclamar, já vivi a Cinderela, a Bela Adormecida e tive a minha fase Pocahontas, só que não há a menor condição de sustenta-las para sempre; ainda bem, porque seria um saco.
Chega de expectativas. E, ah! Que alívio!! Isso, agora, primeiro doeu. A dor de destruir o sonho: sempre quis estar casada. Até outro dia achava que fosse encontrar alguém para reconstruir a família e até (que tal?) que fosse amar meus filhos como um pai. De todas as pessoas que conheci nesta vida, sabe quantas vezes eu vi isso acontecer? Duas. A primeira foi um querido amigo chamado Pedro, que é o melhor pai que já vi, com o detalhe de não ter gerado as filhas. E o outro foi o meu marido, que amou e cuidou do meu filho de tal forma que não conseguiria descrevê-lo sem chorar um balde, o que não estou nem um pouco a fim agora. Sim, eu tive essa sorte uma vez, já não está de bom tamanho?
Quem já viu alguém acertar na loteria duas vezes? Tá, pode ser, e universo, meu rei; estou abertíssima para ótimas surpresas! Mas em tempos de criaturas saindo do armário em larga escala, uma profusão de homens comprometidos desesperados por aventuras e outros seres inacreditavelmente complicados, eu decidi que vou me casar agora é com meu livro.
Chega de "ficar", de paquera, já não dá mais pra enrolar. Tivemos até a nossa fase supercomprometidos, mas depois eu dei uma geladeira no bichinho; ai que volúvel eu sou. Eu no lugar dele teria dado um ultimato, mas ele, não, continuou me esperando, nunca me exigiu nada, acredita? Acho que é amor de verdade.
Agora embalamos de vez. Cada curso que faço são caminhadas de mãos dadas para um novo lugar, as nossas conversas são inacreditáveis, ele compartilha os meus pensamentos. Planejamos novidades para termos mais experiências para escrever. Ele adora teatro e cinema como eu. Nos deliciamos ao falar de amor com as palavras que aprendo em outros idiomas e, ah! Temos tido noites inacreditáveis de prazer com os livros que tenho lido.
Simples assim, cada dia com sua dose de satisfação, esperando cada vez menos dos outros e mais de mim. Se a liberdade é o lado bom da história, então que eu a use em sua totalidade ao meu favor. E toda vez o coração começa a apertar e a fragilidade de ser humana, e mulher (e ainda por cima romântica, argh!) bate na porta, eu balanço, quase me deixo levar, e eis que olho e ele está lá, de braços abertos para que eu o toque: o teclado. Todas as letras à minha disposição, todos os sentimentos, os pensamentos, os sonhos, as possibilidades, tudo é possível com este amor.
E mesmo que não seja para sempre, e até mesmo que ninguém nos leia, está valendo. Ele está me fazendo feliz. E que eu aprenda com ele a me relacionar comigo mesma, que ao deixar tudo aqui eu nunca me perca, que ao me livrar das expectativas esteja, enfim, liberta das frustrações, que, ao perceber o valor do que a vida nos oferece a cada instante, eu deixe o futuro para depois. E que, enfim, ao abandonar os contos das fadas eu esteja pronta para viver simplesmente a minha história.