21 fevereiro 2014

Um outro script



Adoro quando eu me dou conta que estou em um filme. Quando todo mundo está concentrado em suas atividades, uns correndo, uns reclamando, outros comendo, todos acreditando que eu estou com eles, e eu até finjo muito bem que estou, mas fico de cá, só assistindo.
Esse se passa em volta de uma mesa de jantar, que vira, de tempos em tempos, mesa de reunião para um grupo de voluntários. Calor de Fevereiro em Salvador. O encontro estava marcado para às 7:30 mas às 7:15 Beth já estava na porta. Jorge chega logo depois bem gripado, suando às bicas numa camisa de manga comprida e colarinho rosa, elegante. Socorro e Mônica chegam alegres e cheias de assunto, juntam-se à Beth e contam os seus planos para o carnaval, animadas. Em alguns momentos elas começavam a teimar, por qualquer motivo, sem que nem pra quê. Uma teima sobre o preço da mensalidade de uma escola durou inacreditáveis 23 minutos, enquanto o Jorge procurava uma janela por todos os lados, uma brisa qualquer. Parecia cena do Woody Allen. Eu só assistia, tentava intervir mas era inútil, um bom espectador tem que saber o seu lugar.
Nada de começar o primeiro assunto da pauta, qual seria a instituição beneficiada deste ano. O grupo promove uma grande festa anual pra arrecadar fundos pra instituições beneficentes da cidade. Massaranduba ou a Cidade Nova? Eu tentava perguntar, tentando pausar a festa dos meus pensamentos, mas ninguém me dava importância. Foi quando a Virna chegou, a dentista, que chega sempre atrasada e faminta do consultório. Tenho algumas amigas dentistas e tenho dó de todas elas. Estão sempre cansadas e com dores nas costas.
- Que bom Virnoca, que você chegou, porque agora poderemos decid... - Ela me interrompe colocando a mão na testa, a voz mansa e firme:
 - Vocês não sabem!
- Do quê? - Esse foi o primeiro momento da noite em que todos se calaram ao mesmo tempo. Ela prosseguiu:
- Uma prima minha do interior apareceu doente de uma hora pra outra, e veio pra cá, precisa tomar um remédio com urgência e esse remédio é dificílimo de conseguir.
O filme mudou de clima. A atmosfera, a linha de atuação dos personagens, até a Amy Winehouse que estava cantando de um dos celulares de repente se calou. A Virna seguiu relatando os detalhes e quando terminou, cada um pegou um telefone, num ritmo de Missão Impossível. Jorge aproveitou a oportunidade para ir lá fora e tomar um ar pra poder ligar.  Eu continuei assistindo, no máximo fazendo a produção, trazendo água e servindo pedaços de bolo. Começou a busca pelo antídoto que salvaria uma pessoa do povoado da guerreira Virna, aí já comecei a me lembrar do Senhor dos anéis...
- Qual é o nome da paciente? - Em que quarto está? - Quem é o médico? - De quantas doses precisa?
- Espera aí que eu estou falando com meu amigo que é anestesista!
- Grande coisa! O que está aqui do outro lado é cirurgião e de lá do hospital que ela está! - De vez em quando os traços das personagens do Woody voltavam, com histeria e graça no tom certo.
Até a Virna parou pra observar o movimento e dar umas garfadas no bolo, com uns goles de café. Aos poucos eles finalizaram as ligações pra esperar o retorno. Repousaram os aparelhos sobre a mesa, com os visores pra cima. Alguém começou a falar sobre o baile de carnaval da Terça, uma semana antes da Terça de carnaval, aqui na Bahia é assim. Virna rapou os últimos farelos do prato e retomou a preocupação, disse que tinha que ir pro hospital, fazer alguma coisa. Socorro não deixou. Conteve a chefe do Povoado dos Valentes e fez com que ela esperasse com parcimônia por uma resposta dos cavaleiros contactados. Todos cavalgando em redes, ora telefônica, ora cibernética em busca da poção mágica. Nesse momento, Alice chega da academia e não entende nada. Nem tinha começado a reunião e o clima estava tenso.
- Ah Alice, é uma história muito longa. Mônica falou, desistindo de começar a contar. Ela pegaria o trem em movimento, afinal ela é uma atriz de ação compatível às outras.
Por fim, o único homem da mesa, que até não tinha entendido porque tinha saído de casa febril pra ouvir tanto blablablá da mulherada, tossindo e com a camisa rosa colada no corpo, anuncia tímido que conseguiu o remédio. Ajudar assim, a salvar a vida de alguém, é uma façanha relativamente fácil pra ele, afinal ele é um nobre mercador de poções mágicas dos tempos modernos, ou seja, é diretor de uma rede de farmácias, além de ser um voluntário de mão cheia.
Todos celebraram e depois tentaram inutilmente reabrir o tal do item 1. Não rolou mesmo, estava emperrado, eu já tinha desistido há tempos. Foram quatro horas de reunião cuja pauta quem escolheu não fomos nós. Os personagens se foram, apagaram-se as luzes e eu fiquei com aquela impressão deliciosa que só os diretores muito bons conseguem causar, sem saber direito qual era o estilo do filme, encantada com o elenco e cada vez mais fã do roteirista.

17 fevereiro 2014

Novo layout


Olha que lindo que ficou isso, gente! Arte do Laercio Luz. Não bastava ser um fotógrafo de primeira, o cara ainda tem talento pra fazer esses templates. Ele colocou as minhas palavras! E esses azuis? Eu amei! Essa foto aqui é da Nina Batista, fotógrafa iniciante, mas promissora.
Ganhei um novo incentivo para soltar as palavrinhas, isso aqui é muito melhor do que roupa nova, decoração nova, essa é a nova moldura dos meu sonhos!!
Muito obrigada Laercio, venha que quero te conhecer baby, adoro a companhia de gente sensível e talentosa!!

Confiram o site laercioluz.com

15 fevereiro 2014

O voo do primogênito


Acredito verdadeiramente que o sucesso na missão de ser mãe e pai acontece quando os seus filhos voam. Sejam eles de quaisquer espécie animal. Driblar as ameaças do habitat, que no caso da juventude nos dias atuais são muitas, fazem de qualquer rapaz um sobrevivente, e dos pais, uns vencedores.
No sertão, quando se pergunta a quantidade dos filhos de alguém, costuma-se somar quantos foram paridos com quantos vingaram. O meu menino vingou, graças a Deus. Chegou aos 18 anos sem maiores contratempos, sem drogas, sem doenças, com apenas um ossinho da mão direita rachado em uma luta greco-romana na escola, recuperado com algumas semanas de gesso.
Hoje acordei determinada a cumprir bravamente a missão de me despedir, deixa-lo em seu novo apartamento e pegar o avião pra voltar pra casa, tudo bem ensaiado mentalmente há dias. Mas ao vê-lo dormindo me soltei fácil do script. Me lembrei dele no berço, há pouco tempo atrás. É, bem pouco. A ausência do cabelo, retirado sem cerimônia pelos desconhecidos veteranos da faculdade, deixou o seu aspecto mais frágil. Ao comentar com o meu irmão do ocorrido, ele disse que aquela era uma experiência importante. Logo me veio à mente a tribo dos guerreiros universitários paulistanos, cumprindo fidedignamente o ritual de passagem dos recém homens integrados, anunciados ao mundo através das suas cabeças peladas. Vai ver foi por isso que o meu rapaz não quis nem saber de boné.
Orei com toda a fé que acumulei até hoje por cada centímetro do seu corpo. Sustentei as mãos por mais tempo sobre a sua cabeça com cuidado para não tocá-lo. Ele não queria acordar, desconfio que estava fingindo não ouvir as minhas fungadas. Pedi a Deus proteção para aquele pequeno lar, escolhido e pensado em cada detalhe para o seu bem estar. Orei pela porta. Isso, pela porta. Para que só entrasse ali o Bem, com força de B maiúsculo. Orei tudo que eu sabia e que deu tempo até o táxi chegar. Pra conter o choro e poder enfrentar o Sr. Vidal, o taxista, fui dura, me dei uma bronca. Mulher, você não está olhando para o seu filho em um hospital ou em uma cadeia, pra não dizer coisa pior. Não estou aguentando imaginar coisas piores agora. Me recompus diante do respeito que se deve ter diante da saúde, da fartura e de tantas boas promessas de futuro. Coisa feia é chilique. Sim, de toda a teoria eu sei, o que não impede em absolutamente nada a saudade de doer.
Problema meu, ok. Ele não prestou vestibular em um raio inferior a dois mil quilômetros de mim. Será possível que até no intercâmbio eu fui na cola dele! Me larga, mãe - eu quase pude ouvir o seu pensamento enquanto eu o beijava levemente. De repente ele tirou a mão debaixo da coberta e apertou o meu braço, em seguida deu um beliscão em minha barriga, sem abrir os olhos. Era a sua versão de tchau sem babaquice. 
Funcionou. Consegui me virar e sair do quarto, passei mais uma vez o olho pela pequena sala, lavei e guardei um copo que estava à toa e fechei a porta, dando duas voltas na tranca por fora. Desci puxando a mala e consegui chegar diante do Sr. Vidal sem deixar uma lágrima descer dos óculos escuros. Era o mínimo que se poderia esperar da compostura de uma campeã.


14 fevereiro 2014

O que aconteceu com a empregada que estava aqui?


O que aconteceu com a empregada que estava aqui? Foi embora? De novo? Marcos, eu não sei mais como lidar com isso. Já é a quarta empregada que arrumo só nesse início de ano. Você e essa sua nova obsessão pelas camisas dispostas por cores, esse pavor de fios de cabelo no chão. O que foi que você implicou desta vez, Marcos? Parecia tão boa, essa D. Antônia. Meio pesada, é verdade, quando ela estava na pia eu não conseguia passar para chegar na geladeira. Mas veio com referencia da síndica, e fazia uma sopa boa, que merda Marcos! E agora, você tem alguma ideia? Você chamou o seu pai pra vir comer aqui amanhã, eu já tinha combinado pra D. Antônia fazer um cozido que ele gosta. Até falei pra ele do cozido. E agora? Você vai fazer o cozido Marcos? Puta merda! Desde que a Sônia saiu, não tive sossego. Olhou pra mim porque? Quê que tá pensando? Com essa lei nova ficou mais caro e mais difícil de conseguir empregada. Hein? A Sônia de novo? Não, não dá. Ela já estava ficando muito a vontade, a síndica me alertou que isso não é bom. E eu nem tenho muita intimidade com a síndica. Não, a Sônia não. E ela já deve estar até trabalhando em algum lugar. Hein? Não tá? Como você sabe? Será que ela voltaria? Ai, como eu odeio o trabalho doméstico... Anda, levanta daí, vai, tira essa toalha da cama, olha a camisa no chão! Vá colocar sua roupa na maquina e trate logo de comprar a carne pro cozido do seu pai.



Resultado do exercício do curso de Escrita Criativa em que deveríamos escrever em 20 minutos um texto com o título sugerido pelo professor.

Quando ele acordou, o dinossauro continuava lá


Faz três anos que o Mario se separou. Logo que aconteceu, alguém falou pra ele que a dor da saudade não duraria mais que um ano. Era só vencer um calendário inteiro e passar por todas as datas comemorativas, que tudo ficaria bem. E desde então já se passaram três natais, três reveillons, e tudo três vezes, e o Mario segue em direção ao seu quarto aniversário sem a Lílian, e ainda com a mesma saudade enorme e pesada, a qual ele compara com um dinossauro, um certo tipo de amigo imaginário jurássico que não se extingue para lhe fazer companhia.
A Lílian já estava com outro, um professor que ela conheceu na internet. A Lílian sempre se queixava da superficialidade do Mario, de que ele não saía da revista Placar. Ela foi uma presa fácil para o professor munido de citações literárias e de poesias do Neruda decoradas estrategicamente. A Lílian achou isso o máximo, e está até hoje com ele. De vez em quando ela liga pro Mario pra saber se ele está bem, se fez a revisão no urologista, se encontrou alguém. Na verdade ela adora fazer ciúme para o professor, dizer que o Mario está a disposição dela e assim alimentar a intenção dele na viagem das poesias do Neruda.
Nos aniversários e natais era certo, ela sempre ligava. Era a melhor parte do dia para o Mario. Nestas ocasiões ele procurava encontrar pessoas e ir à lugares animados, mas era sempre a ligação da Lílian que provocava a maior emoção.
Estava chegando o seu aniversário. Ele se preparou para receber a ligação de Lílian e aproveitar para mostrar pra ela a poesia de oito versos que escreveu, num esforço danado, sobre o que seria amar a ausência de alguém, algo mais ou menos assim. Desta vez, ele teria coragem.
Chegou. Mario acordou checando o telefone. Olhava para ele o tempo todo no escritório e nada, com a poesia lá na carteira. Mario saiu para o happy hour com os amigos achando uma ótima ideia atender o telefone em um lugar bem barulhento. O tempo passou e os amigos foram deixando o lugar, um a um. Mario voltou pra casa sozinho, com o telefone e um resto de bolo na mão. Por sorte e por conta das cervejas que tomara, dormiu no final do jogo de uns times que ele não dava a mínima.
No outro dia acordou mais cedo do que o de costume, abriu os olhos já com o celular na mão. Nenhuma ligação perdida, nenhuma mensagem. No quarto, apenas o dinossauro, um pouco maior, um ano mais velho.



Segundo texto de 20 minutos do curso de Escrita Criativa na Escola São Paulo.

Eu vejo flores em você!


Umas amigas que são umas flores me pediram para escrever algo para o site delas, que é muito legal. Ficou bem bonitinho. Confiram!

A IF no Euvejoflores...


03 fevereiro 2014

Todos Incríveis e falíveis, melhor assim


Foi Sigmund Freud quem, quase um século atrás, nos disse pela primeira vez que a normalidade não existe. "Toda pessoa só é normal na média. Seu ego aproxima-se do psicótico em uma ou outra parte, em maior ou menor extensão." Encontrei isso no início do livro Síndromes Silenciosas, de John Ratey e Catherine Johnson, que mostra como reconhecer as disfunções psicológicas ocultas que existem em nós. Uau! São mais de 410 variações de diagnósticos de síndromes psiquiátricas e sim, você aí também possui traços de algumas delas.

Adorei saber um pouco do fundamento científico do que bem disse o Caetano, “de perto ninguém é normal”. Constatar, que não é possível para o nosso cérebro funcionar bem em todas as suas partes. Para que um talento num campo se desenvolva, o resultado é que irão haver déficits outro. Nós pagamos então pelo nosso talento com perdas relativas em outra parte.

Isso quer dizer que para eu ter me desenvolvido um pouco melhor na área de linguagem eu não poderia mesmo aprender muito matemática, física, ou química? Ei, alguém aí poderia ter me dito isso antes? Passei a vida procurando estratégias para lidar com o meu déficit de atenção e sem entender porque eu tinha tanta dificuldade nestas matérias. Me comparava com pessoas que têm capacidades e disfunções cerebrais diferentes!

É necessário reconhecer as diferenças e entender como elas podem ser produtivas. Um trabalho quando é feito em uma equipe diversa e interdisciplinar é muito mais rico, vamos tirar proveito disso! Precisamos parar de sofrer com a discordância das pessoas e acreditar no nosso talento, no nosso diferencial. Na maioria das vezes não nos revelamos com medo de que não sejamos aceitos e não realizamos com medo de errar. É necessário vencer estes adversários dentro de nós.

Entender as limitações humanas nos possibilita desprender das cobranças por uma perfeição que não existe. É uma libertação quando compreendemos que todos temos dificuldades, lidamos com elas, as desenvolvemos na medida do possível e potencializamos os nossos dons. Só quando me assumi falível na tarefa de escrever pude mostrar para as pessoas, me exercitar e aprender a cada dia. Vi que os textos mais criativos são imperfeitos. Esse aqui mesmo, está certinho demais. Não é a toa que ele não entrou no livro, ficou chato, o bichinho. A perfeição é tediosa! As imperfeições são reflexo da nossa condição humana, elas comovem, atraem e criam identificação. "É com a nossa imperfeição que vivemos os os melhores momentos da nossa vida. É com ela que aprendemos coisas incríveis, conhecemos pessoas que se tornam essenciais, que evoluímos, crescemos e nos tornamos seres cada vez mais únicos! A imperfeição é a nossa melhor perfeição", muito bem completou a minha amiga e leitora Incrível, Carol Levy.

Por isso eu escrevo assim mesmo, falível pra caramba. Isso é o que eu posso entregar agora. E você? O que tem para entregar, assim, como você é? Pois o entregue. Releve a sua porção falível e invista no que você tem de Incrível. Você vai se surpreender com o que a sua imperfeição é capaz.