30 novembro 2014

Uma bicicleta por uma boa lembrança


Era um domingo de março de 1992, em Vitória da Conquista. Já tinha combinado tudo, o Deda iria emprestar a pampa. Ele me pegou em casa com a Mó e antes das 10h passamos de casa em casa acordando o pessoal. Todos indevidamente em pé na carroceria do carro, na época em que cinto de segurança só servia pra cair no chão e atrapalhar na hora de fechar a porta. No som, o axé que ainda era uma criança, entrava com simpatia em qualquer domingo de sol. Assim passamos o dia do meu 17º aniversário, de bar em bar, subindo e descendo da pampa, eu pagando as contas com uns cheques que eu não tinha a menor ideia de como iria cobrir. Isso era um problema para a segunda feira. Sim, seria o dia seguinte, mas inebriada pela cerveja que era vendida livremente, me parecia que teria tempo suficiente pra arrumar um trabalho, ganhar na loteria ou receber uma verba extra muito merecida pelo meu dia. Eu dizia: - Deus proverá! – assim, na maior cara de pau, como se Deus fosse se importar em bancar a minha farra. O tour acabou no clube da AABB da cidade, num show da banda Mel, com todos girando com o dedo pra cima, cantando: “Vou dar a volta no mundo, eu vou, vou ver o mundo giraaaarr…” Em uma dessas voltas, a Nanda arriscou um passo mais ousado e acabou rompendo o ligamento do joelho. Mas isso ela só apurou depois. Antes, na segunda feira que teimou em chegar, na ida para o colégio, ela teve uma idéia brilhante:
     -  Nega, cadê a sua bicicleta?
Uma bicicleta branca meio cafona com cestinha, mas novinha. Quem precisa de uma quando se tem amigos que dirigem? Desta forma, a loja de bijuterias do tio Fernandão, o pai dela, abriu as portas com uma bicicleta no passeio com um papel oficio grudado escrito: R$250,00. E antes do banco fechar, o depósito foi feito, o valor batia incrivelmente com o total dos cheques que eu tinha passado.
Acho que na minha vida quase tudo aconteceu meio assim, como se tivesse uma equipe no céu que me protegesse. E protegesse os meus amigos também. Todos dirigiam sem carteira, mas não me lembro de uma blitz ou batida, de alguém se machucar (só do joelho de Nanda, mas aí foi ela sozinha e a pé mesmo). Nós nunca fomos assaltados, nunca nos metemos em uma confusão, nunca nos ofereceram drogas, além da bebida e da lança perfume na micareta, sem também, graças, piores consequências.
Não posso me lembrar da equipe do céu e esquecer da equipe da terra, liderada pelos queridos Tio Deri e Tia Yara, os pais de Mó e Deda, que davam um jeito de estarem em todas as viagens e se tornarem nossos amigos. Eles nos hospedavam, nos acolhiam e nunca perdiam a oportunidade de nos dar um bom conselho.
Nas voltas do mundo desses quase 23 anos, muita coisa mudou. Meu filho tem 19 anos, carteira de motorista, mas nunca me pediu o carro. Não bebe e prefere conversar com os amigos pelo whatsapp. Ele não sabe nem como funcionam os cheques, e é incomparavelmente mais bem comportado do que eu. A Banda Mel saiu da mídia e o joelho da Nanda nunca ficou bom, até hoje ela sempre diz que tem mais uma cirurgia pra fazer. Entraram os cintos de segurança, a lei seca, o crescimento da violência, e muito mais do que nos protege e do que nos impede.
Outras coisas não mudam. Desde outubro viajo pelos aniversários de 40 anos destas mesmas amigas, em encontros cheios de crianças, músicas daquela época e muitas risadas de histórias como essa. Uma é designer de luz e se casou com uma mulher, a outra é médica, foi morar em Ilhéus e já pode se candidatar a vereadora por lá, de tão querida. Tio Deri e tia Yara seguem animados entre nós nas festas. Tem uma amiga que encalhou, mas não desiste, está tão metida agora que emagreceu, que faz de cada suspiro um flash pra postar no Face. A outra se casou com um mato grossense, e eu fui parar em Campo Grande pra sua festa, e aproveitamos pra tomarmos uns belos banhos de cachoeira e conversarmos de noite na cama com a luz apagada até o sono chegar. Sem maridos, sem filhos, só nós, como antes, como somos.
Não nos faltam assuntos e nos sobram cumplicidade, confiança e intimidade. Nós não ouvimos as nossas estórias, nós estávamos lá. Presenciamos os vestibulares, as formaturas, as desilusões amorosas, os bebês chegando, as barras, as conquistas, as mortes e os recomeços. Fomos madrinhas de casamentos umas das outras, madrinhas dos filhos também. Esses meninos de todos os tamanhos, sexos e jeitos diferentes nos provam, a cada ano, quando se juntam, que filhos de grandes amigas, amiguinhos são.
Já nos despedimos centenas de vezes, e a vida nos mostrou que não importa quanto tempo passe, na hora do reencontro é como tivéssemos pulado pra fora da pampa no dia anterior. Os tamanhos dos nossos quadris não são os mesmos, apesar do esforço, mas os sorrisos são. Atrás das mães, das profissionais, das cicatrizes de cada uma e de todas as capas que precisamos colocar pra sobrevivermos, os risos frouxos nos denunciam. Eles entregam as meninas meio fora da regra, espontâneas, farinha de um mesmo saco conquistense, fascinadas por emoções genuínas, tão amorosas, e talvez por isso, tão abençoadas por Deus.

12 novembro 2014

Sumiço com propósito


Estranho não é sumir.
Estranho é ficar parado, fazendo a mesma coisa, até você mesmo perder o interesse por você.
Eu sumo pra aparecer ali adiante.
Eu não sei porque a vida nos dá essa imensidão de possibilidades pra escolher. É perigoso, exaustivo, mas também delicioso tentar descobrir aonde podemos chegar. Eu vou, e quanto mais eu ando parece que a minha capacidade de fôlego aumenta. Pego tudo o que vejo e coloco numa espécie de carrinho de mão. Olho para trás às vezes, em momentos em que me permito parar para descansar de cavar o novo e sinto saudade, que quase sempre vem colada com tristeza. Não consigo ainda desatar essas duas. Mas não dá pra descobrir isso pensando, tem coisas que só aprendemos no dia certo, então é preciso seguir.
Hora de abastecer. Estudo escrita, roteiro de filmes! E vivo filmes, sem parar. A combinação me parece perfeita. Só não está dando pra ler e pra assistir os filmes dos outros, tão necessário, mas deixei essa parte pra quando o cansaço chegar. Claro, preciso de algo pra fazer quando parar. Por enquanto não dá, a vida está me tomando todo o tempo agora.
Leva muito tempo ser personagens, ver personagens, incrementar personagens, criá-los e recriá-los.
Tomara que eu consiga,  pari-los todos em estórias, com os seus jeitos tortos, seus olhares dúbios, seus desejos preguiçosos e tudo que destoa, que não faz sentido, que desmente os seus discursos, que deixa escapar as fraquezas que os tornam quase humanos.
Estou amando todos eles. Tudo que mais odeio nas pessoas estou amando nos meus personagens. Porque eles revelam as hipocrisias que nós, pessoas, vivemos. Natural, possível e livremente! Porque eles ilustram a ingenuidade para amar que nós, pessoas, não desistimos de ter. Porque eles nos faz rir das tragédias e chorar nas comédias do cotidiano da vida de toda a gente. Porque eles nos fazem sentir o que deixamos passar desapercebido.
Agora que o primeiro semestre do curso já foi, que a mudança já foi,  que a lista interminável de pendências foi pro fundo da gaveta (pra ser irritantemente correta e não dizer pra onde elas foram realmente), e que a ansiedade só aumentou, estou voltando pro blog, esse nosso canal. Porque sinto muita falta. Porque a IF tem o dom de me fazer sentir um pouco menos ordinária. Ela é a melhor parte de mim, sou eu mais colorida, como devem ser os personagens.
Me permitam trazer umas novidades, pegar uns palpites. Mesmo sabendo que nunca dá muito certo, vocês gostam das conversas de mão única, em que derramo todas as minhas alegrias, confusões e lamúrias de uma vidinha incrivelmente comum.
Dá tudo no mesmo! As minhas histórias e as dos personagens que saem de mim, inspirados em todos nós. O importante é escrever, continuar, qualquer coisa, em qualquer formato. Se assumir falível e assim dizer sem medo. Retornar sempre, adiante, depois das pausas necessárias.