31 maio 2014

Novos filhos nos filhos


Outro dia ao chegar em casa encontrei três barbies sentadas na minha cama, recostadas no travesseiro. Larguei a bolsa e me sentei com elas. Estava vindo de umas reuniões, cheguei tarde e não peguei as minhas filhas acordadas. Só tinha as barbies me esperando.
- São as suas últimas chances... - ouvi daquela voz firme que volta e meia me faz estremecer. Não há como contestá-la, o mais velho foi morar fora, a do meio ficou mocinha e a caçula, aquela que veio comigo outro dia da maternidade, fez onze anos. Essa que no pouco tempo livre que ela tem, no intervalo de todas as atividades e conversas online, mesmo debaixo da imensa pressão que as amigas que já estão noutra fazem, ela quer brincar de boneca comigo. Por enquanto.
Fomos ao cinema ontem e eu adorei o filme Malévola com a Agelina Jolie. Fingi que não percebi as pequenas falhas e embarquei sem cinto no sonho e na vibração infantil. Me despedindo de um fim de fase que pode tardar um pouco ou um tanto, mas não falhará.
Depois do filme, enquanto esperávamos o lanche, a filha do meio levantou os cabelos e os prendeu em um coque sem elástico, charmosa que ela só. Na hora vi que ela usava um brinquinho que era meu quando eu tinha a idade dela. Eu dei pra ela faz tempo, mas ela deu pouca importância. E ontem quando eu os vi, nas orelhas daquela figura que saiu de mim e que já faz tempo usa sutiã, fala de garotos e aprendeu a domar os cabelos, como na velocidade e com a clareza de um raio, eu despertei. As minhas crianças estão indo embora.
Por favor, quem souber me fale, aonde vão parar aqueles bebês que dormiam no nosso peito e que nós não tínhamos coragem de cochilar com medo que eles escorregassem? Escorregaram, todos eles?
Missão cumprida, é isso. Depois de acordar, é hora de entender e me preparar. É o que a voz agora me diz de maneira mais branda, de vez em quando ela se compadece de mim, deve ser por me ver sozinha criando essas cri... esses adolescentes, depois de me ameaçar ela sempre me consola. Como a Malévola de um filme que finalmente aborda a dualidade, isso vindo de um filme de fada da Disney, é mehor ainda. Nos diz nada mais que ninguém é de todo mal nem de todo bom. Como essa condição da qual tratamos agora, e todas as outras. É preciso deixar os filhos irem e deixar outras causas, pessoas e interesses chegarem. Um novo tempo com novos filhos surgindo deles mesmos, pelas novas circunstâncias. Em consequência, em nós surgem outros pais e mães, e logo mais, avós.
É a vida como ela é, passando na velocidade que ela tem, quer nós queiramos ou não. Eu sempre acho bem mais fácil concordar com ela e aceitar as suas imposições. Contestar, me revoltar ou me deprimir só vai me fazer perder mais tempo. E tempo é ouro quando me lembro que tenho agora somente duas filhas em casa, com dias contados para me esperar chegar pra falar de garotos e brincar de boneca.


29 maio 2014

Um dia de aconchego



Outro dia eu fiz uma viagem relâmpago para a minha terra e na hora de dormir, desabafei pelo Face sobre o contentamento de estar ali. Mandei para o delicioso site Eu vejo flores em você, as administradoras que são minhas amigas acharam uma foto e arrumaram tudo, olha só como ficou:

A IF no euvejofloresemvoce


04 maio 2014

A casa que morou em mim


Estou prestes a entregar uma casa que aluguei perto de uma mata. Começo a me despedir dos pássaros, dos besouros, das formigas e dos mosquitos que cheios de razão nunca se conformaram com todas essas construções na área deles. Aproveito esta fase final pra fazer uma super faxina, separar um monte de coisas pra dar e pra jogar fora, procurando, ao mesmo tempo, fazer aquela faxina interna.
Nesta noite de sábado choveu. Parei pra olhar a chuva e pra agradecer pelo tempo que me foi permitido viver aqui. Pela fase de recolhimento, por todas as noites de sábado em que era melhor estar aqui do que estar na rua, pelo silêncio, pela distância da casa pro centro da cidade, por todos os dias que vivi neste quarto e por tudo o que nele li, escrevi, orei e cresci.
Aproveitei que já era tarde e saí com a minha camisola velha de algodão na sacada. Vi o vento levar a chuva pra todos os lados sob a luz dos postes e com ela dançar uma dança meio melancólica. Pensei na serenata que um dia sonhei em ter ali mas que nunca veio. Em alguns amigos que gostaria de ter recebido mas que não vieram também. Depois me lembrei de todos os que vieram, de como foi bom, das suas vozes alegres que ecoavam com o som da água que caía sem parar no chão.
De repente subiu o cheiro conhecido da chuva e da terra. Lembrei-me que é a água que faz tudo florescer. Que ela limpa também o ar e deixa os dias muito mais bonitos. Que venha uma época de novos horizontes e novos desafios. Eu e a minha inquietude temos uma relação de tapas e beijos, mas de muito mais satisfação do que tudo. Ao mesmo tempo que detesto a inquietação que me tira o sono e não me deixa ver a chuva simplesmente pra ver a chuva, adoro a forma com que ela me empurra. Todas as vezes que chego no novo me sinto incrivelmente orgulhosa por ter tido a coragem de mudar.
Ao embalar os meus objetos e as minhas memórias, vejo que saio desta casa com excesso de bagagem. Mais coisas, pela oferta temporária de espaço, ah que ilusão, agora tenho que descartar um monte. Porém, principalmente, saio com mais experiências. Estas, por mais absurdo que pareça, são o que tenho de mais concreto, é o que levo pra onde for, até quando for preciso sair desta encarnação.
Levo as lembranças dos encontros, dos abraços e das risadas, as memórias das sopas de todos os dias com as crianças, levo os choros que me deixaram mais humana e mais forte, os sonhos que dormi e os que vivi, levo esse e outros textos que afloraram entre as cigarras e os sapos da mata.
É mais feliz quem sabe fechar os ciclos com gratidão e esperança. Isso é o mínimo que esta casa espera de mim depois de tudo que ela me ofereceu. Prometo então, quando a chuva e o outono passarem e eu estiver protegida por um outro teto, lembrar com muito carinho desta robusta senhora. Espero, com as mudanças das estações que estão por vir, com as mudanças de lugar e de situações, que eu saiba reciclar a mulher que eu já fui. Que eu me descarte, me acrescente, me embale e me transforme. Que ao entender que nada é pra sempre eu veja claramente que tudo é espetacular enquanto dura. É assim com o que a gente quiser, até com um momento solitário de chuva em uma noite de sábado em uma linda casa que foi totalmente minha por um tempo.