19 abril 2013

Munidos de amor


Há quem acredite que o único recurso possível de doar para as instituições filantrópicas seja o dinheiro. Esses não conhecem a realidade destes lugares e muito menos os amigos que tanto admiro, os dirigentes que dedicam as suas vidas na missão de servir ao próximo.

Como Abraham Maslow descreveu em sua "Hierarquia de necessidades", as carências do ser humano vão bem além das fisiológicas (fome, sede, sexo, excreção e abrigo). Temos necessidade de segurança, necessidades sociais (de nos relacionar, de amor), de auto-estima, de auto-realização até chegar ao que transcende a esta pirâmide, temos necessidade de espiritualidade.

Nesta última semana fiz duas visitas. Totalmente despretenciosas, cheguei pra ver como estavam todos, de mãos abanando.

Na primeira fui à  Creche Béu Machado, encontrar a D. Nenê. Ela estava aflita, preocupada, não tinha dormido bem naquela noite, sentia náuseas e nem respirava direito. Tinha reformas para fazer, a vigilância sanitária no seu pé, dívida no banco, a conta não fechava nunca, mesmo depois de vinte e sete anos de jornada e experiência.

Sentei com ela e a sua equipe e juntos, iluminados pela equipe do céu, só pode ser, criamos alguns projetos e ações para angariar fundos. Fora isso eu a ouvi. Deixei que ela falasse sobre as suas tristezas e os seus sonhos.

Ela foi empregada doméstica e não pôde estudar. Disse que quando mocinha olhava para as outras meninas com fardas de saias de pregas e sentia muita vontade enorme de ter uma daquelas. Que hoje o sonho dela era morar na creche com todas aquelas crianças, que ela tem tanto a fazer que nem sabe por onde começar.

Eu disse para ela:

- D. Nenê, antes de começar esta reunião eu pedi licença e fui ver os meninos em suas salas. E a senhora sabe que a primeira coisa que eu notei foi a farda deles? Tão lindas, limpas, as blusas por dentro dos shorts. E as das professoras combinando! Será que se a senhora não tivesse desejado tanto aquela saia de pregas lá atrás eles estariam vestidos assim? Será que se a senhora não tivesse sofrido com seu patrões, seus pais e a sua vida, estas crianças estariam aqui? Olhe para essa creche, olhe o que vocês construíram! O que há por fazer é o mínimo diante do que a senhora já fez. E que bom que eles todos tem para onde ir quando saem daqui no final do dia, o que precisamos fazer é orientar estas famílias na educação deles. E como a senhora não mora aqui? O que é esse muro??

Ela mora na casa ao lado, gente. Vive lá, um menino espirra e ela ouve. Só sei que saímos abraçadas, ela e eu respirando bem melhor.

E ontem fui ver Sr. Reinaldo da ACCABEM, um querido amigo de muitos anos. Estava em um dia ótimo, mesmo com o fato de as chuvas recentes terem derrubado todo o forro de gesso da área de circulação. Mesmo assim, ele que é espírita, estava agradecendo à Deus porque não caiu na cabeça de nenhum dos seus idosos. Disse que o saldo da despesa mensal está no azul, raspando mas está. Que não dá pra fazer melhorias, a obra da construção da creche está parada há anos e o forro vai ter que esperar ajuda, mas que é assim mesmo e vamos pre frente.

Levei uma prima para conhecer e fomos com ele andar pelos quartos, todos lotados, noventa e três acamados. Era lindo de ver a alegria com que as senhoras nos recebiam. - Pode entrar! - em uníssono. Elas o adoram, todas querem beijo e abraço. Até que uma falou:

- Ô doutor... - E ele a interrompeu - Eu já te disse que eu não sou doutor, eu sou marceneiro. - Ela continuou: - Sim, pois é, o senhor faz favor de chamar alguém pra me buscar porque me deixaram aqui ontem não sei porque. - Ele me olhou e disse que ela tem Alzhaimer, que está lá a mais de um ano e todo dia fala a mesma coisa. Olhei para sua carinha sorridente atrás de uns óculos escuros enormes vermelho e perguntei se ela gostava de lá. Ela disse que sim e depois me pediu a mesma coisa.

Andamos mais um pouco eu vi a Rita, uma figura que só de olhar a gente já se sente feliz. Ela se apresentou, me convidou pro seu aniversário e perguntou pra nós se éramos casadas e se tínhamos filhos. Vera disse era casada e eu disse que não, Vera disse que tinha dois filhos e eu disse que tinha três.

- Tem três e é sorteira, imagine se fosse casada hein fia??? E deu uma risada que reverberou por toda a cidade de Lauro de Freitas.

Saí rindo pelo corredor até que ouço um reclamar com um prato na mão: - Reinaldo, a carne tá pouca!!! E ele responde: - Tá por baixo!!! - E seguiu retomando o assunto. E eu o riso.

Depois vimos D. Cecília, um bibelô do lugar, que me pediu para levar para ela uma mala para ela guardar as roupas das suas bonecas. Disse que quando partir para sempre vai ter que deixar tudo arrumado para as crianças que as herdarão.

E por último o Sr. Reinaldo me convidou para a seção de orações que acontece lá semanalmente. Perguntei o horário e ele respondeu: - Toda sexta às vinte horas.

- Hein?? Reza sexta à noite? Aonde?? Aí o santo é outro Sr. Reinaldo!!!

E dessa vez foi ele que morreu de rir.

Entendem? Podemos doar também o nosso tempo, o nosso serviço e principalmente, podemos nos doar. Quando vamos, levamos e trazemos o amor. Levamos e trazemos idéias, alegria, carinho, boa vontade, pensamentos, sensações, consciência, histórias de vida e esperança. Que vai muito além das necessidades básicas descritas pelo Maslow, que vai bem além do que o dinheiro pode comprar.
Estão esperando o quê?



2 comentários:

  1. Foi tão importante para mim esta ida lá, Val! Quero muito poder ajudar, quero muito ser ajudada ajudando. Conte sempre comigo. Vai mandando que eu vou executando! Nisso eu sei que sou boa, em colaborar!

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