05 fevereiro 2013

Era uma vez...


- ... E entrou pelo pé do pinto e saiu pelo pé do pato e quem quiser que conte mais quatro.

A minha mãe sempre terminava as histórias e os casos que contava para mim assim, me arrancando do estado de fantasia e me fazendo aterrissar rapidinho pois já era a hora de tomar a sopa, de dormir ou de ir fazer qualquer outra coisa. Ela diz que não me passou nenhum dos romances que leu na infância, para não me contagiar com o sonho romântico que tanto a atrapalhou.

E para quem me conhece há algum tempo já sabe, não adiantou muito. Sou uma quase uma Pollyana, ingênua, romântica e totalmente entregue a quem me oferece qualquer punhado carinho.

Não sei quantas histórias ouvi ou presenciei daqueles tempos para cá, mas uma coisa é certa, todas tiveram um final e se não tiveram ainda irão ter. Mas eu sempre me esqueço que existe final nas histórias. E até hoje, quando estou em um final que me deixa inebriada, nostálgica ou meio perdida eu ligo pra para ela, acho que é para ouvir da sua voz: "Aí entrou pelo pé do pinto..." Ela não fala mais essa parlenda mas é como se eu a ouvisse. A minha mãe sempre me surpreende mesmo que seja com a mesma mensagem, ela sempre me faz acreditar em mim e nas alegrias que virão com a próxima história, a minha mãe sempre me faz acreditar no futuro.

Hoje também orei e ao abrir a Bíblia da minha avó, o meu oráculo, estava lá: Eclesiastes 3:1-2: Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou... Primeiro fiquei triste pois esse texto me faz lembrar a morte de pessoas queridas, ele sempre está presente em cartões de velório e em santinhos de missa. Só que a morte para o cristão é apenas um estágio para o renascimento e eu preciso entender o real significado dessa passagem bíblica assim como para a morte e também para os finais das histórias.

Na semana passada estive na casa de uma amiga que tem a sorte de ser amiga do Gilberto Gil. Ela se separou após trinta anos de casamento e foi desabafar com o seu sábio e talentoso amigo. E já chegou para ele assim:

- Pois é Gil, eu e o Arnaldo não demos certo...
- Hein? - ele interrompeu - (Ai, eu daria tudo para ver a cara do "hein" dele, com as sombrancelhas levantadas) - Como assim não deu certo? Vocês viveram juntos por trinta anos!!! Então deu certo por trinta anos! Quem disse que é para sempre?

Ai, como eu sou fã do Gil. Como eu sou fã das pessoas que entendem claramente isso, que tudo tem seu tempo, que depois que entra pelo pé do pinto vem outras quatro e que nada é para sempre.

Mas para quem adora o final dos contos de fadas o fechamento das histórias da vida sempre trazem decepções. O clássico "E foram felizes para sempre......" (assim, com reticências a perder de vista) pode parecer seguro e confortável, pode ser mais bonito e nos deixar na emoção da melhor parte da história por mais tempo, ignorando os pontos finais, mas é uma ilusão. Doce, mas é só faz de conta.

A gente decide; pode viver os sonhos e as frustrações quando os ciclos se fecham ou adotar a versão de mainha, embalada pela filosofia de Gil e tão bem descrita no livro de Eclesiastes.

Tentemos então:

"... E então a mulher que há muito tempo não era mais uma menina, não parava de olhar as ondas irem e virem. Até que levantou-se do banco, respirou fundo e olhou para frente. Começou a andar bem devagar prestando atenção para não tropeçar nas pequenas pedras do passeio. Passou pelo vendedor de caldo de cana, percebeu que as pessoas não podem dar o que não tem. Olhou para o mar de novo e entendeu que o amor transcende, muda de forma, pode ir e voltar sem a nossa autorização. Olhou para os pássaros voando em direção ao sol e sentiu que é possível amar de outro jeito, ou em outro tempo, o importante é não deixar de amar nunca. Passou por um menino tentando se equilibrar na bicicleta e viu que o amor nos enobrece, nos faz querer ser melhor, tentar e aprender. Nos faz ceder, vencer nosso orgulho e vaidade. Nos permite descobrir potenciais que não enxergávamos antes e às vezes nos absorve de tal forma que nos faz esquecer de todos os nossos potenciais para viver só o amor. Viu duas meninas correndo e se lembrou que o amor nos faz rir sem medida e nos faz chorar muito também. Viu o corredor muito veloz e suado e se lembrou que o amor pode ser uma aventura radical apenas para os que tem coragem. Ou pode ser mais calmo, que bom, pensou, enquanto um cãozinho parou para cheirar o seu pé. E ao passar por uma mãe sentada balançando um carrinho para o filho dormir, ela sorriu bem de leve enquanto entendeu que todo amor vale a pena ser vivido, que amar é um privilegio e agradeceu por esta grande oportunidade que a vida nos dá a todo instante, todos os dias."

E entrou pelo pé do pinto, saiu pelo pé do pato...




PS: Feliz ano novo, estava com saudade! :)

7 comentários:

  1. Sensacional! Sonhar é sempre permitido mas tbm precisamos viver na realidade. Um depende do outro e se completam com harmonia. Beijos minha Valzinha! ♥

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  2. Valéria,
    Amei a frase do Gil, suas memórias de infância e atuais reflexões. E entrou pelo pé do pinto e saiu pelo pé do pato e quem quiser que conte mais quatro ;)
    Abraço!

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  3. e nesta quem quiser conte mais quatro, seremos protagonistas dos próximos episódios pois continuamos alegres, saudáveis e prontinhas para novas emoções,
    Abraços, Mamãe

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  4. Amei o texto, muito lindo e encorajador.Tenho muita dificuldade com finais,não sei qual foi o trauma, mas nem livros que gosto muito, leio até o final.E essa clareza que você tem da vida, é um dom fantástico.Força e segue...
    Ah!Não pare de escrever, sentimos muito a sua falta.

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  5. Valéria,

    Tentei entender a ausência das suas publicações como novos mergulhos. Eis que você emerge e me traz essa fantástica criatura chamada Gilberto Gil para enriquecer as suas reflexões. Gil é um querido, queridíssimo. O conhecia, na verdade, através do seu pai, o meu inesquecível professor, Dr. Gil Moreira, que sempre nos falava orgulhoso do filho artista. Penso que foi uns 20 anos adiante que tive o privilégio de entrevistá-lo e fiquei apaixonada pela sabedoria dessa criatura linda, para além do compositor, músico e cantor. Gil sabe de tantas coisas... E fala!E canta!E dança!

    Há braços,
    Lourdinha

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  6. Adoro escrever para vocês, saber que existe quem pare nesses tempos tão corridos para me ler me faz muito feliz. Muito obrigada!!

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  7. Que massa me deliciar na poesia da leitura do oráculo do dia no seu texto! A imagem do nascer do sol no mar é mais que significativa pra mim! Ví a cena com tanta clareza como se estivesse ao seu lado em silêncio acompanhando tudo que sucedia como testemunha! Cada evento: homem que corre, a mãe que rí cúmplice, o cachorro que se aproxima, é interpretado com precisão total como se voce estivesse lendo um oráculo em plena consciência expandida e percepção além do que acontece objetivamente! O que eu chamo de estar atento a meta linguagem do universo ou ainda a linguagem dos pássaros - bird language. Eles estão opostos , preste a iniciar sua preleção, seu acanto anunciador das dicas do dia. Bom dia do Mago Magnético Branco!

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