20 dezembro 2014

Disfarce de Papai Noel


Há uns dias, uma amiga me viu arrastar a caixa da árvore de Natal e comentou: - Daqui a pouco não vamos mais precisar desmontar a árvore de um ano pro outro, do jeito que o tempo está passando cada vez mais depressa…
Era exatamente aquilo que eu pensava e não sabia, estava com tanta preguiça, por obrigação, só porque consta no manual da mãe perfeita em negrito que casa com crianças tem que ter árvore de Natal. Chamei as meninas pra me ajudarem mas ninguém topou, numa prova de como os adolescentes mudam de um ano pro outro. Pensei em intimá-las, mas sou fraca em forçar a barra pras coisas. Pensei em deixar pra depois, mas aquele trambolho já estava há uma semana no meio da área de serviço, e em mais uma piscada o Natal já teria passado.
Outro dia, que já deve fazer uns dois meses, cheguei a sentir antipatia dos shoppings nos empurrando as decorações cafonas e um espírito de Natal que não teve tempo pra descansar, não é possível. Não vi graça nas luzes da cidade, as propagandas da TV estão mais forçadas ainda e eu não estava a fim de comprar presente pra ninguém. Tem um livro que ganhei no ano passado que ainda não abri, os cartões ainda estão por cima de uma gaveta e a vontade de comer peru não chegou.
Respirei e perseverei, como nos finais das corridas, quando nos dá uma fraqueza e é preciso fabricar energia pra chegar no fim. E olha eu sou dessas que amam desculpas pra encontros, roupas bonitas e festas. Mas ter aquela trabalheira toda, e com garantia pelo menos um quilo a mais... Mesmo assim segui na empreitada, escolhi os melhores enfeites, que são os que foram feitos pelas crianças ou com fotos delas. Olhar para aquelas carinhas deu um aperto, eles estão tão diferentes! Torci para as luzes estarem ainda boas e remendando aqui e ali, salvei 60% delas, era o suficiente. Chamei as meninas pra ver. - Ah, legal! – Ficou bonito, mãe! - a outra disse, de passagem, com o celular na mão.
Pra tentar aumentar a graça do momento, e diminuir o pesar que dá quando percebemos a vida passar muito rápido, comecei a enumerar  o que realizei este ano. Muito, até para uma hiperativa zen ansiosa proativa, reconheço. E agradeço. Num instante os 60% de luzinhas recicladas brilharam um bocadinho mais. Fui lá, estirei os galhos e dei mais uma desamassada nos laços. Coloquei a árvore mais pra frente, mais pra fora, e um pouco mais pra perto de mim.
Assim senti o primeiro sopro desse tal espírito natalino de 2014. Ele não passa de uma oportunidade de exercer a gratidão e a união, disfarçada num figurino bem brega. E não vem mesmo, não adianta, da TV, dos presentes, das árvores, nem das luzes na rua. É um estado de consciência, e como os outros não precisa de nada, nem motivo, nem companhia. Pode chegar em nossos corações em qualquer época do ano. Mas, vamos reconhecer, reunidos em família, com uma mesa cheia de delícias e cercado de vermelho com luzinhas brilhando, fica melhor ainda.

01 dezembro 2014

Meus dois vestibulandos


Depois do tempo mínimo necessário pra saber se o negócio tinha chance de vingar, estava na hora de contar pro filho da existência do novo namorado. Especialmente porque os dois moram na mesma cidade e eu estava sem ter como explicar as minhas desaparecidas. Imagina, logo a mãe.
Pensei em algo que eles tivessem em comum, esperei uma hora calma, enquanto ele lanchava, olhando pro celular, lógico, pra puxar o assunto:

- Filho, sabia que eu estou namorando?
- Hum - essa é a palavra que mais ouço nos nossos diálogos, não sei precisamente qual é o significado, mas pelo menos ela indica que ele me ouviu.
- Pois é, depois de tanto tempo né? Porque você sabe, não tá fácil. Primeiro eu pensei que fosse pela má qualidade dos homens, sabe?
- Hum.
- Lembra que eu comecei até a meditar e a orar pra mudar a frequência, melhorar a energia que eu estava emitindo?
Dessa vez não teve "Hum", só a mordida num biscoito de chocolate.
- Então, depois eu vi que não eram eles, eu é que estava ficando problemática...
- Pciso stdá! - ele disse, levantando.
- Hã?
- Preciso estudar Val!! - Ele me chama assim, vê se pode.
- Ah ta. Olha, ele vai fazer o mesmo vestibular que você no domingo!
Ele parou, engoliu sem beber o suco, e, pela primeira vez em dois dias, olhou pra mim.
- Quantos anos ele tem, Val? - dessa vez ele articulou. Fiquei até emocionada, fazia tanto tempo que ele não me fazia uma pergunta!
- 23, por que? Achou que fosse da sua idade? - Não resisti, ele ficou mais branco do que é.
- Brincadeiraaaaaaa!!!!! Ele tem 42, inventou agora fazer outra faculdade.
- Hum - Dessa vez com uma piscada de olhos demorada, um gole no suco, e eu quase pude ouvir um suspiro.

O alívio foi tamanho que ele até perguntou pra qual o curso, e depois da prova, como foi o resultado do digníssimo. Eu achei a maior graça da situação, torci dobrado no dia, quase copio e colo a mesma mensagem de boa sorte no zapzap. Acompanhei o resultado e para essa primeira fase, parece que os dois passaram. Coisa boa é estar cercada de homens inteligentes e nem um pouco acomodados.
E o melhor, espirituosos. Que bom, porque com bom humor fica bem mais fácil de levar o amor.


30 novembro 2014

Uma bicicleta por uma boa lembrança


Era um domingo de março de 1992, em Vitória da Conquista. Já tinha combinado tudo, o Deda iria emprestar a pampa. Ele me pegou em casa com a Mó e antes das 10h passamos de casa em casa acordando o pessoal. Todos indevidamente em pé na carroceria do carro, na época em que cinto de segurança só servia pra cair no chão e atrapalhar na hora de fechar a porta. No som, o axé que ainda era uma criança, entrava com simpatia em qualquer domingo de sol. Assim passamos o dia do meu 17º aniversário, de bar em bar, subindo e descendo da pampa, eu pagando as contas com uns cheques que eu não tinha a menor ideia de como iria cobrir. Isso era um problema para a segunda feira. Sim, seria o dia seguinte, mas inebriada pela cerveja que era vendida livremente, me parecia que teria tempo suficiente pra arrumar um trabalho, ganhar na loteria ou receber uma verba extra muito merecida pelo meu dia. Eu dizia: - Deus proverá! – assim, na maior cara de pau, como se Deus fosse se importar em bancar a minha farra. O tour acabou no clube da AABB da cidade, num show da banda Mel, com todos girando com o dedo pra cima, cantando: “Vou dar a volta no mundo, eu vou, vou ver o mundo giraaaarr…” Em uma dessas voltas, a Nanda arriscou um passo mais ousado e acabou rompendo o ligamento do joelho. Mas isso ela só apurou depois. Antes, na segunda feira que teimou em chegar, na ida para o colégio, ela teve uma idéia brilhante:
     -  Nega, cadê a sua bicicleta?
Uma bicicleta branca meio cafona com cestinha, mas novinha. Quem precisa de uma quando se tem amigos que dirigem? Desta forma, a loja de bijuterias do tio Fernandão, o pai dela, abriu as portas com uma bicicleta no passeio com um papel oficio grudado escrito: R$250,00. E antes do banco fechar, o depósito foi feito, o valor batia incrivelmente com o total dos cheques que eu tinha passado.
Acho que na minha vida quase tudo aconteceu meio assim, como se tivesse uma equipe no céu que me protegesse. E protegesse os meus amigos também. Todos dirigiam sem carteira, mas não me lembro de uma blitz ou batida, de alguém se machucar (só do joelho de Nanda, mas aí foi ela sozinha e a pé mesmo). Nós nunca fomos assaltados, nunca nos metemos em uma confusão, nunca nos ofereceram drogas, além da bebida e da lança perfume na micareta, sem também, graças, piores consequências.
Não posso me lembrar da equipe do céu e esquecer da equipe da terra, liderada pelos queridos Tio Deri e Tia Yara, os pais de Mó e Deda, que davam um jeito de estarem em todas as viagens e se tornarem nossos amigos. Eles nos hospedavam, nos acolhiam e nunca perdiam a oportunidade de nos dar um bom conselho.
Nas voltas do mundo desses quase 23 anos, muita coisa mudou. Meu filho tem 19 anos, carteira de motorista, mas nunca me pediu o carro. Não bebe e prefere conversar com os amigos pelo whatsapp. Ele não sabe nem como funcionam os cheques, e é incomparavelmente mais bem comportado do que eu. A Banda Mel saiu da mídia e o joelho da Nanda nunca ficou bom, até hoje ela sempre diz que tem mais uma cirurgia pra fazer. Entraram os cintos de segurança, a lei seca, o crescimento da violência, e muito mais do que nos protege e do que nos impede.
Outras coisas não mudam. Desde outubro viajo pelos aniversários de 40 anos destas mesmas amigas, em encontros cheios de crianças, músicas daquela época e muitas risadas de histórias como essa. Uma é designer de luz e se casou com uma mulher, a outra é médica, foi morar em Ilhéus e já pode se candidatar a vereadora por lá, de tão querida. Tio Deri e tia Yara seguem animados entre nós nas festas. Tem uma amiga que encalhou, mas não desiste, está tão metida agora que emagreceu, que faz de cada suspiro um flash pra postar no Face. A outra se casou com um mato grossense, e eu fui parar em Campo Grande pra sua festa, e aproveitamos pra tomarmos uns belos banhos de cachoeira e conversarmos de noite na cama com a luz apagada até o sono chegar. Sem maridos, sem filhos, só nós, como antes, como somos.
Não nos faltam assuntos e nos sobram cumplicidade, confiança e intimidade. Nós não ouvimos as nossas estórias, nós estávamos lá. Presenciamos os vestibulares, as formaturas, as desilusões amorosas, os bebês chegando, as barras, as conquistas, as mortes e os recomeços. Fomos madrinhas de casamentos umas das outras, madrinhas dos filhos também. Esses meninos de todos os tamanhos, sexos e jeitos diferentes nos provam, a cada ano, quando se juntam, que filhos de grandes amigas, amiguinhos são.
Já nos despedimos centenas de vezes, e a vida nos mostrou que não importa quanto tempo passe, na hora do reencontro é como tivéssemos pulado pra fora da pampa no dia anterior. Os tamanhos dos nossos quadris não são os mesmos, apesar do esforço, mas os sorrisos são. Atrás das mães, das profissionais, das cicatrizes de cada uma e de todas as capas que precisamos colocar pra sobrevivermos, os risos frouxos nos denunciam. Eles entregam as meninas meio fora da regra, espontâneas, farinha de um mesmo saco conquistense, fascinadas por emoções genuínas, tão amorosas, e talvez por isso, tão abençoadas por Deus.

12 novembro 2014

Sumiço com propósito


Estranho não é sumir.
Estranho é ficar parado, fazendo a mesma coisa, até você mesmo perder o interesse por você.
Eu sumo pra aparecer ali adiante.
Eu não sei porque a vida nos dá essa imensidão de possibilidades pra escolher. É perigoso, exaustivo, mas também delicioso tentar descobrir aonde podemos chegar. Eu vou, e quanto mais eu ando parece que a minha capacidade de fôlego aumenta. Pego tudo o que vejo e coloco numa espécie de carrinho de mão. Olho para trás às vezes, em momentos em que me permito parar para descansar de cavar o novo e sinto saudade, que quase sempre vem colada com tristeza. Não consigo ainda desatar essas duas. Mas não dá pra descobrir isso pensando, tem coisas que só aprendemos no dia certo, então é preciso seguir.
Hora de abastecer. Estudo escrita, roteiro de filmes! E vivo filmes, sem parar. A combinação me parece perfeita. Só não está dando pra ler e pra assistir os filmes dos outros, tão necessário, mas deixei essa parte pra quando o cansaço chegar. Claro, preciso de algo pra fazer quando parar. Por enquanto não dá, a vida está me tomando todo o tempo agora.
Leva muito tempo ser personagens, ver personagens, incrementar personagens, criá-los e recriá-los.
Tomara que eu consiga,  pari-los todos em estórias, com os seus jeitos tortos, seus olhares dúbios, seus desejos preguiçosos e tudo que destoa, que não faz sentido, que desmente os seus discursos, que deixa escapar as fraquezas que os tornam quase humanos.
Estou amando todos eles. Tudo que mais odeio nas pessoas estou amando nos meus personagens. Porque eles revelam as hipocrisias que nós, pessoas, vivemos. Natural, possível e livremente! Porque eles ilustram a ingenuidade para amar que nós, pessoas, não desistimos de ter. Porque eles nos faz rir das tragédias e chorar nas comédias do cotidiano da vida de toda a gente. Porque eles nos fazem sentir o que deixamos passar desapercebido.
Agora que o primeiro semestre do curso já foi, que a mudança já foi,  que a lista interminável de pendências foi pro fundo da gaveta (pra ser irritantemente correta e não dizer pra onde elas foram realmente), e que a ansiedade só aumentou, estou voltando pro blog, esse nosso canal. Porque sinto muita falta. Porque a IF tem o dom de me fazer sentir um pouco menos ordinária. Ela é a melhor parte de mim, sou eu mais colorida, como devem ser os personagens.
Me permitam trazer umas novidades, pegar uns palpites. Mesmo sabendo que nunca dá muito certo, vocês gostam das conversas de mão única, em que derramo todas as minhas alegrias, confusões e lamúrias de uma vidinha incrivelmente comum.
Dá tudo no mesmo! As minhas histórias e as dos personagens que saem de mim, inspirados em todos nós. O importante é escrever, continuar, qualquer coisa, em qualquer formato. Se assumir falível e assim dizer sem medo. Retornar sempre, adiante, depois das pausas necessárias.


01 agosto 2014

Muito bem acompanhada

Nos domingos a noite eu sempre sinto falta de um namorado. Nos dias dos namorados sinto muita. Sinto falta quando saio com os casais de amigos, e também sinto quando vejo garrafas de vinhos no supermercado.
Mas raramente sinto nas sextas, dificilmente na rotina da minha casa e nunca, nunquinha quando viajo de férias com meus filhos. 
Eles estão ficando cada vez mais legais. Fazem as próprias pesquisas de onde querem ir, me chamam atenção pra eu não dormir no ponto, contam piadas, brincam e brigam o tempo todo, posso estar mais relaxada floreando demais as coisas, mas me parece que até as brigas estão ficando um pouquinho mais maduras. Os nossos quartos de hotel viram festas de pijamas, primeiro tem uma disputa pra ver quem fica com quem, e ainda há uma escala para dormir com a mamãe e ficar ao meu lado no avião, é, eu ainda estou com essa bola toda.
Quantas experiências inesquecíveis tivemos, nós cinco. Acho um privilegio viajar com a minha mãe, poder curtir vitrines bonitas com ela pelo mundo sem pressa. Ouvi-la tocar nos pianos que encontramos pelo caminho, poder deixar os meninos com ela pra dar uma escapulida e depois comentarmos a vida nas poltronas do avião.
Demorou pra eu entender que a minha família não tinha um buraco que deveria ser ocupado por um homem, a minha família é integra como ela é. Com a participação especial de dois homens bacanérrimos, o meu filho e o meu irmão que nunca viaja com a gente porque alguém tem que trabalhar nessa família!
É estranho para uma ex super ansiosa fcar tranquila, sentir como se tivesse ainda outros 40 anos para viver, numa boa. Sem remédios, sem nunca ter fumado nada, sem terapia. Simplesmente acalmei. Sei que estes momentos com essa galera que saiu de mim estão contados, eu tenho que aproveitar. Algo me diz que por ter começado a vida cedo demais ainda vou ter tempo de casar de novo sem filhos por perto, mais na frente. E se… Ah, e se! Se não tiver, tudo bem. O que vivi ate agora foi tanto que tudo bem. Tudo bem se eu for e se eu ficar. Nada mais importa, curtir a vida com meus filhos é hoje o meu melhor programa. 


Back home

Chegamos no aeroporto de Los Angeles e peguei o primeiro ônibus que vi para uma loja de aluguel de carros. Pensando que não devia ter ouvido meu filho que disse que não precisava de reservas. Só restou um carro  que coubesse nós cinco e mais as nossas cinco malas enormes, uma caminhonete grande 4X4. Rapidinho subi na carroceria, puxei as malonas, entrei e caímos na estrada. Eram cinco da tarde, no meu destino um por do sol alaranjado. Coloquei uma musica qualquer na radio e estava vivendo um momento perfeito.
Estávamos de volta a estrada que percorremos tantas vezes, reconhecendo as placas no caminho, a vegetação do deserto, chegando cada vez mais perto da nossa família americana.
Foi muito bom reencontrar as primas, logo no primeiro happy-hour no restaurante mexicano, falamos dos quatro casamentos que aconteceram nesses dois anos que estive fora, nos dois bebes que nasceram, das mudanças e dos novos planos. Naquela mesa entre tacos e margueritas, só eu não multipliquei. Enquanto as famílias delas cresceram com noras, genros e netos eu só consegui parir uns textinhos.
Foi muito bom ir fazer o cabelo no salão que eu conheço, saber onde encontrar o que queria comprar, ver as amigas brasileiras, me esparramar no sofá da casa da prima, me arrumar pra sair pra jantar com a minha tia mais vaidosa, comer no restaurante japonês numa mesa enorme. Me senti em casa! Todos nós, mesmo sem vontade de voltar a morar lá. O que conquistamos ao conhecer e conviver naquele lugar com aquelas pessoas é nosso e pra sempre. É realmente maravilhoso ter um home nos states pra poder voltar.

On sale

Não tem jeito, vir pros EUA é também fazer uma viagem de compras. Basta você dizer pra alguém que vai que você ganha uma encomenda. Certa vez uma pessoa que eu só tinha encontrado uma vez viu uma foto minha viajando no Face e me pediu pra trazer um ipad e um iphone pra ela. Haja ipaciencia. Na minha bagagem mal cabe tudo que eu amo nessa terra e preciso levar.
Os biscoitos Oreo com double stuff para os momentos desesperadores, a pasta de dente que fica em pé na pia, o powder sugar para envolver os doces crocantes, o batom que desliza e perfuma, a escova que desembaraça os cabelos das minhas filhas sem gritos, as vitaminas que aqui só nas farmácias de manipulação, as batatinhas e as cervejas que já vêm com limão, os biscoitos que a minha cadela adora, e outras tantas coisas.
Há uma preparação e uma expectativa diferente antes de viajar pros EUA, o tênis ficou surrado mas aguenta esperar porque lá custa um terço do preço, o notebook está com o vidro quebrado, mas ainda está ligando, espera, a necessaire vai vazia pra voltar com tudo novo.
E dessa vez caprichei nos apetrechos de cozinha. Eu que estou de casa nova, com sérios planos de realizar receitas saborosíssimas e saudáveis, nada como umas panelinhas novas pra dar incentivo. É como roupa de malhar, parece que fica mais leve de roupinha nova, eu adoro. Ai, o que dizer do head phone que comprei para ouvir musica nadando? Acho que agora chego até Itaparica!
Sim, isso tem um preço, a ser pago em dólares, trazido alguns dias depois da sua chegada pela sua fatura do cartão de crédito, geralmente causando uma dolorosa surpresa e sérios planos de não sair de casa nos próximos meses, ou de quebrar o cartão e nunca mais voltar naquele lugar de terríveis tentações. Fora o porre de carregar tudo isso pelos aeroportos e ainda correr o risco de ver tudo aberto na alfândega, com alguém revirando sua roupa suja misturada com o copo da mulher maravilha que você achou o máximo.
Você jura programar outros destinos agora, ir pra India meditar ou fazer o caminho do desapego de Santiago, isso até acabar o estoque dos cremes e dar aquela vontade de comer hamburguer com suco de laranja meio de mentira. Não tem jeito, o meu amor pelos States já esta condenado a ser totalmente interessado. Talvez seja o meu jeitinho de não me separar dele. Se não posso morar lá por enquanto, então que pelo menos eu traga pedacinhos de States pra minha vida no Brasil.

A eu que não sabia com ele em NY


Já fazia 16 anos que eu não vinha a New York, só passando por aqui em escalas ou em sonhos. Na primeira vez eu vim em minha lua de mel oficialíssima, aquela de depois do casamento em que a gente se veste de noiva, com o primeiro marido. Foi em março mas estava absurdamente frio. Lembro de sair com ele do hotel pra ir ao Rockefeller Center que estava há três quadras, mas não aguentar ficar na rua e voltar correndo pra calefação do hotel. Isso até me parece uma coisa boa de se fazer quando se está em lua de mel, mas fiquei imaginando como seria fazer essa viagem com ele agora.
Primeiro levaria a mala certa. Aqui estamos vivendo dias coloridos de verão mas eu já tenho roupa pra até rolar na neve se for preciso.
Naquela viagem eu só o seguia. Não confiava em mim direito nem pra pedir um chocolate quente em inglês. Ficava rodando o mapa em minhas mãos, tentando ser uma boa copilota. Olhava para as lojas e não tinha a menor ideia de em qual entrar. No restaurante pedia o prato apontando para o cardápio e dava cada zebra, quando eu acertava eu ficava feliz pra caramba.
Não sabia. Desde a imigração ate a alfândega, eu não sabia viajar. Muito, mas muito menos do que a nossa filha caçula que agora está com onze anos.
Fiquei pensando, num impulso orgulhoso, que eu queria ser esta mulher que sou hoje na nossa lua de mel. Pra poder ajudar, pra ter a sua admiração assim como ele tinha a minha. 
Depois eu pensei na graça, na suavidade, na ingenuidade, nas mãos dadas também por medo de me perder. Foi com aquela que ele se casou. Lembrei do sorriso dele cada vez que me pegava aflita, da alegria que sentia ao tomar um daqueles cafés gelados que estão em cada esquina, do seu abraço na hora do vento gelado. 
Senti muita saudade. Chegou a apertar o peito quando finalmente cheguei ao Rockefeller Center com os nossos filhos já adolescentes. Saudade dele, da eu que não sabia, do casal que éramos nas ruas frias de New York.


27 junho 2014

Machu Picchu


Sempre ouvi falar de Machu Picchu. De pessoas diversas. De gente que vem aqui tirar umas fotos até peregrinos em busca de uma experiência espiritual, cientes de que aqui se localiza el ombligo del mundo, ou um dos sete chakras do planeta. Uma pessoa até me pediu uma prece quando eu chegasse aqui, outros que eu chamasse os nomes deles para eles virem em breve também.
Eu pesquisei quase nada antes de vir, tenho essa falha, uma mistura de preguiça com desejo de surpresa mesmo. Gosto de chegar e sentir.
E que bom que eu fiz isso. Que bom não ter lido em lugar nenhum sobre a sonoridade do rio Urubamba! Quando cheguei na estação de trem de Aguas Calientes fiquei louca com o visual do vale e com aquele som. Perguntava: - Isso é água? É barulho de água? - até que o passante me guiou por seis passos para que eu me debruçasse sobre ele, enorme, imponente e rápido no seu curso, passando entre as pedras enormes do caminho dele até chegar à Amazônia.
Só de saber que iria dormir de frente pra ele pra mim já estava bom. Quando uma prima viu a pela foto o meu deslumbre me preparou: -Espere só quando ver lá de cima!
Respirei fundo. Desejei intensamente que muita gente que amo viesse ver isso. Acordamos bem cedo e fomos para as ruínas de Macchu Picchu. Adoraria ter chegado pelo caminho Inka mas não foi desta vez, cheguei de ônibus mesmo. Com um monte de turistas que, à medida que as horas avançavam, se multiplicavam. Tirei fotos e achei tudo no mínimo impressionante. Era possível ouvir o Urubamba lá de cima e vê-lo entre os vales enormes. Dei graças quando o guia terminou o roteiro e todas as explicações. Ainda tinha algumas horas! 
Comecei a andar procurando “o” lugar. Tinha que estar na sombra, com menos acesso de turistas e com uma vista que me atestasse a dimensão da natureza e o tamanho da minha sorte de contemplá-la.
Encontrei! Acho que o guia chato passou a vez pra outro, agora um silencioso e invisível, que só eu poderia seguir. Do meu lugar eu via um amontoado de montanhas, o rio Urubamba lá embaixo e nenhuma, nenhumazinha intervenção humana. Nem uma buraco por uma árvore desmatada ou plástico no chão. No meu campo visual só a naturaleza, o Deus para o povo inka que construiu aquele templo sagrado.
Tirei os sapatos, sentei com imenso conforto. Senti a brisa fria como um sopro amoroso. Ouvia pássaros diferentes dos que estou habituada. Primeiro, exercício de respiração, depois meditação, só de estar ali inalando daquele ar, percebi que tudo vibrava em modo automático. As cores vinham fácil e se expandiam pelo meu corpo, pelo vale em todas as direções. Comecei a sentir amor. Um amor imenso. Só então peguei o terço e comecei a orar, uma continha por cada um. Comecei pelo óbvio, os filhos, a mãe, o irmão. Depois deixei a intuição conduzir, a minha mente passeava por famílias, grupos, gente que já partiu, gente próxima e gente que eu nem imaginava que eu fosse lembrar. Mas todos que apareciam eu orava. Pedia por algo que eu acreditava que a pessoa precisasse e chamava a todos para estar ali. Não em Macchu Pichu, não no Peru, mas naquele grande estado de paz.
Foram três voltas, o que acabei de saber que é o que compõe um rosário. Faltando as três últimas eu chorei. Um choro de alegria, alívio e amor. Fiz questão de abrir os olhos bem devagarinho pra degustar cada pedacinho. Primeiro ver as minhas pernas adormecidas em lótus, depois a grande pedra que eu estava sentada, a seguir o Urubamba, o verde infinito, os topos das montanhas, a neve da mais alta lá atrás, e por último o céu.
E assim aconteceu a melhor viagem. Sem caminhadas, sem artifícios, sem programação. Apenas eu, todos as pessoas, a natureza e Deus. Apenas tudo.



Soroche


A cidade de Cuzco no Peru fica a 3.600 metros do nível do mar, por isso é comum as pessoas sentirem os sintomas da falta de oxigênio, que ocasiona o que eles chamam de “mal de altura” ou “soroche”, com enjoo e dor de cabeça, no mínimo. Desde o aeroporto já encontramos os anúncios Soroche pills, para usted no perder su viage!
Cheguei louca pra provar a famosa comida peruana, mas como tinha que pegar leve fui de sopa, com leite de coco e curry que eu adoro. Delícia, senti nada. E a fome continuou. Pedi então umas tapas e um brownie que chegou pelando em uma cumbuca, uma coisa! Senti nada também. Então eu encarei logo um pisco souer e comecei a me sentir em casa. A única coisa estranha foi sentir o coração disparar nas subidas, não tinha fôlego! Logo eu, uma ex futura quase atleta. Ok, é só subir as ladeiras e as escadas mais devagar, eu não tenho pressa mesmo...
No dia seguinte fizemos um passeio lindo pelo Vale Sagrado, visitei Pysac e Ollantaytambo, dei alfafa para as llamas, alpacas e vicunhas. Tive a sorte de ter uma guia delicada e competente que me contou in loco a história da civilização Inka, da sabedoria deles e da reverência à natureza, a invasão espanhola, a cultura e os costumes que foram mexidos até chegarem em povo simpático que sabe muito bem receber o turista.
Fui dormir excitada com tantas informações contadas por ela e também com as visuais, foram muitas imagens diferentes pra processar. Tive que compartilhar no Facebook, caso contrário poderia explodir. Aí já viu,os amigos curtem e você comenta, e quando eu percebi, já eram pra lá das duas da matina. Fui dormir sem sono e sonhei um monte, mexia, lembrava dos cemitérios Inkas nas montanhas, das pessoas que eu queria que viessem aqui, do quanto o planeta é enorme e tal.
Acordei cedo e com a maior dor de cabeça. Me lembrei que tinha que ligar pra empresa aérea pra pedir um reembolso, pois comprei um novo voo para voltar em tempo da formatura da filha e tinha que cancelar o primeiro. Piorou a dor. Ligaram de casa pra dizer que surgiu mais um imprevisto na obra pra gastar mais e atrasar mais. Aiai. A empresa aérea depois de 36 minutos de chamada internacional no celular diz que não vai reembolsar nada, que eu tinha comprado um pacote e que se eu não quisesse voltar problema meu, vide letrinhas no contrato que eu num clique, aceitei. Ui! Fui tomar banho pra mudar a energia e quando procurei os dólares pra trocar na rua não achei. Mas eu tinha certeza que estava entre as roupas na mala! Será que entrou alguém no quarto enquanto eu saí para jantar? Aquele recepcionista tão simpático? Socorro!
Revirei a mala mais três vezes e nada. Foi o jeito ligar pra mais call centers pras empresas do cartões desbloquearem o serviço de saque internacional, uma overdose de chaturas telefônicas. A minha cabeça explodia. Danado de soroche, só podia ser. Pedi à minha amiga que fosse passear porque eu precisava voltar pra cama e começar o dia de novo.
E entrei no pijama. Dormi, desta vez sem sonhos, por duas horas. Acordei, me vesti, saí, passei na farmácia, comprei o remédio do soroche e tomei na hora com bastante água. Encontrei a minha amiga num restaurante delicioso com o divertido nome de Ciciollina, e comemos bem. Saímos, não demorou pra eu começar a rir do meu desacerto, pois tentamos em inúmeros caixas sacar dinheiro dos meus dois cartões de crédito e nada. Me restavam poucos novos soles, mais alguma reserva de bom humor, ainda bem. Fomos passear nas igrejas e museus da cidade.
Decidimos sair pra boate de salsa para comemorar o meu soroche total. Talvez eu devesse me preocupar em passar mais seis dias em terras estranhas sem dinheiro mas sobre isso eu pensaria amanhã. No dia seguinte eu me preocuparia e ligaria pro cartão e faria tudo de novo, mas só amanhã.
Sacudo os cabelos, passo um rímel, mais perfume e quando eu enfio o pé na calça amarela eis que estavam lá, todas as seis lindas notinhas de cem dólares. Nós não acreditávamos! Eu estava rica, riquíssima!!!
Acho que nunca vamos esquecer a cara uma da outra quando achamos o dinheiro. Pareciam duas meninas que conseguiram o convite pro baile do príncipe. Mas quem por que diacho enfiaria o único dinheiro que tem numa perna de calça? Eu, oras, normal. Só que eu perco e acho. Tá, às vezes eu não acho e isso é mesmo muito chato mas o que fazer? 

Até agora eu não sei se foi o remédio de soroche ou o bom humor que me curou. Não me dei tempo pra pensar, coloquei o casado pesado por cima da roupa colorida e saí pra aproveitar cada cêntimo de segundo em Cusco, a cidade nas alturas que me chama pra ser feliz acima de qualquer soroche.

31 maio 2014

Novos filhos nos filhos


Outro dia ao chegar em casa encontrei três barbies sentadas na minha cama, recostadas no travesseiro. Larguei a bolsa e me sentei com elas. Estava vindo de umas reuniões, cheguei tarde e não peguei as minhas filhas acordadas. Só tinha as barbies me esperando.
- São as suas últimas chances... - ouvi daquela voz firme que volta e meia me faz estremecer. Não há como contestá-la, o mais velho foi morar fora, a do meio ficou mocinha e a caçula, aquela que veio comigo outro dia da maternidade, fez onze anos. Essa que no pouco tempo livre que ela tem, no intervalo de todas as atividades e conversas online, mesmo debaixo da imensa pressão que as amigas que já estão noutra fazem, ela quer brincar de boneca comigo. Por enquanto.
Fomos ao cinema ontem e eu adorei o filme Malévola com a Agelina Jolie. Fingi que não percebi as pequenas falhas e embarquei sem cinto no sonho e na vibração infantil. Me despedindo de um fim de fase que pode tardar um pouco ou um tanto, mas não falhará.
Depois do filme, enquanto esperávamos o lanche, a filha do meio levantou os cabelos e os prendeu em um coque sem elástico, charmosa que ela só. Na hora vi que ela usava um brinquinho que era meu quando eu tinha a idade dela. Eu dei pra ela faz tempo, mas ela deu pouca importância. E ontem quando eu os vi, nas orelhas daquela figura que saiu de mim e que já faz tempo usa sutiã, fala de garotos e aprendeu a domar os cabelos, como na velocidade e com a clareza de um raio, eu despertei. As minhas crianças estão indo embora.
Por favor, quem souber me fale, aonde vão parar aqueles bebês que dormiam no nosso peito e que nós não tínhamos coragem de cochilar com medo que eles escorregassem? Escorregaram, todos eles?
Missão cumprida, é isso. Depois de acordar, é hora de entender e me preparar. É o que a voz agora me diz de maneira mais branda, de vez em quando ela se compadece de mim, deve ser por me ver sozinha criando essas cri... esses adolescentes, depois de me ameaçar ela sempre me consola. Como a Malévola de um filme que finalmente aborda a dualidade, isso vindo de um filme de fada da Disney, é mehor ainda. Nos diz nada mais que ninguém é de todo mal nem de todo bom. Como essa condição da qual tratamos agora, e todas as outras. É preciso deixar os filhos irem e deixar outras causas, pessoas e interesses chegarem. Um novo tempo com novos filhos surgindo deles mesmos, pelas novas circunstâncias. Em consequência, em nós surgem outros pais e mães, e logo mais, avós.
É a vida como ela é, passando na velocidade que ela tem, quer nós queiramos ou não. Eu sempre acho bem mais fácil concordar com ela e aceitar as suas imposições. Contestar, me revoltar ou me deprimir só vai me fazer perder mais tempo. E tempo é ouro quando me lembro que tenho agora somente duas filhas em casa, com dias contados para me esperar chegar pra falar de garotos e brincar de boneca.


29 maio 2014

Um dia de aconchego



Outro dia eu fiz uma viagem relâmpago para a minha terra e na hora de dormir, desabafei pelo Face sobre o contentamento de estar ali. Mandei para o delicioso site Eu vejo flores em você, as administradoras que são minhas amigas acharam uma foto e arrumaram tudo, olha só como ficou:

A IF no euvejofloresemvoce


04 maio 2014

A casa que morou em mim


Estou prestes a entregar uma casa que aluguei perto de uma mata. Começo a me despedir dos pássaros, dos besouros, das formigas e dos mosquitos que cheios de razão nunca se conformaram com todas essas construções na área deles. Aproveito esta fase final pra fazer uma super faxina, separar um monte de coisas pra dar e pra jogar fora, procurando, ao mesmo tempo, fazer aquela faxina interna.
Nesta noite de sábado choveu. Parei pra olhar a chuva e pra agradecer pelo tempo que me foi permitido viver aqui. Pela fase de recolhimento, por todas as noites de sábado em que era melhor estar aqui do que estar na rua, pelo silêncio, pela distância da casa pro centro da cidade, por todos os dias que vivi neste quarto e por tudo o que nele li, escrevi, orei e cresci.
Aproveitei que já era tarde e saí com a minha camisola velha de algodão na sacada. Vi o vento levar a chuva pra todos os lados sob a luz dos postes e com ela dançar uma dança meio melancólica. Pensei na serenata que um dia sonhei em ter ali mas que nunca veio. Em alguns amigos que gostaria de ter recebido mas que não vieram também. Depois me lembrei de todos os que vieram, de como foi bom, das suas vozes alegres que ecoavam com o som da água que caía sem parar no chão.
De repente subiu o cheiro conhecido da chuva e da terra. Lembrei-me que é a água que faz tudo florescer. Que ela limpa também o ar e deixa os dias muito mais bonitos. Que venha uma época de novos horizontes e novos desafios. Eu e a minha inquietude temos uma relação de tapas e beijos, mas de muito mais satisfação do que tudo. Ao mesmo tempo que detesto a inquietação que me tira o sono e não me deixa ver a chuva simplesmente pra ver a chuva, adoro a forma com que ela me empurra. Todas as vezes que chego no novo me sinto incrivelmente orgulhosa por ter tido a coragem de mudar.
Ao embalar os meus objetos e as minhas memórias, vejo que saio desta casa com excesso de bagagem. Mais coisas, pela oferta temporária de espaço, ah que ilusão, agora tenho que descartar um monte. Porém, principalmente, saio com mais experiências. Estas, por mais absurdo que pareça, são o que tenho de mais concreto, é o que levo pra onde for, até quando for preciso sair desta encarnação.
Levo as lembranças dos encontros, dos abraços e das risadas, as memórias das sopas de todos os dias com as crianças, levo os choros que me deixaram mais humana e mais forte, os sonhos que dormi e os que vivi, levo esse e outros textos que afloraram entre as cigarras e os sapos da mata.
É mais feliz quem sabe fechar os ciclos com gratidão e esperança. Isso é o mínimo que esta casa espera de mim depois de tudo que ela me ofereceu. Prometo então, quando a chuva e o outono passarem e eu estiver protegida por um outro teto, lembrar com muito carinho desta robusta senhora. Espero, com as mudanças das estações que estão por vir, com as mudanças de lugar e de situações, que eu saiba reciclar a mulher que eu já fui. Que eu me descarte, me acrescente, me embale e me transforme. Que ao entender que nada é pra sempre eu veja claramente que tudo é espetacular enquanto dura. É assim com o que a gente quiser, até com um momento solitário de chuva em uma noite de sábado em uma linda casa que foi totalmente minha por um tempo.



27 abril 2014

A grande escalada


Baseada em pouca teoria e em muita prática, nas minhas experiências e nas das minhas amigas, acredito que o fracasso nos relacionamentos, seja de quem tem está casado (a) e infeliz ou solteiro (a) idem, deve-se basicamente a três aspectos: Primeiro, à falta de afinidades. Isso eu também ouvi de um coach, o Eduardo Nunes, outro dia, na Marília Gabriela. Segundo ele, as mulheres são irracionais nas suas escolhas, enquanto os homens, que estão numa posição privilegiadíssima devido a estúpida oferta no mercado, avalia bastante a mulher ANTES de se apaixonar. O cara é machista pra caramba e beira o insuportável, mas quando ele falou isso, me pegou. Eu me apaixono primeiro e penso depois, mesmo sendo uma sobrevivente à quedas de picos do top do Everest, rolada com as pedras gelo abaixo. Segundo o Eduardo, o que mantém o relacionamento, quer dizer, o que alimenta o amor que sustenta a relação quando a paixão acaba, são os valores, os programas e os planos em comum. Que é muito difícil continuar a comer pirão no mesmo prato todo dia com alguém que pensa e age muito diferente de você.

A segunda que eu pensei a partir dessa, é a estúpida mania que temos de querer que o outro mude pra se adequar a nós. Você se apaixona por um cretino, um inconsequente ou um mané, mas tem certeza que vai colocar ele no jeito com muuuuuito amor. Dá pra ver porque a queda vem de lá do Everest?

E a terceira é querer, com a presença do outro, preencher o que nos faz falta. Querer que alguém nos sustente ou nos dê equilíbrio, ou que nos traga paz, ou que nos traga aquelas emoções e aventuras que nunca vivemos. Enquanto ainda se está junto é uma maravilha, parece que tudo se completou, são corações saindo pela janela do quarto sem parar. Depois vem a conta, quando tudo termina com o fim da paixão, fica aquele buraco imenso. Muito maior do que existia antes de começar, porque aquela pessoa te deu uma prova de tudo o que você não é, não desenvolveu ou não construiu. Tem um clichê por aí que diz que precisamos estar inteiras primeiro pra nos relacionar depois e é a verdade. Precisamos SER o que queremos do outro.

Exemplo bonitinho que eu tenho pra dar é o de um término com uma pessoa que trouxe arte e música pra minha vida. A arte que eu não pude ter porque escolhi parir, casar e parir, e parir de novo, enfim. Ele tocava muito bem e eu realmente gostava daquilo. Quando não deu certo e ele partiu, eu não aguentava olhar pro violão do meu filho. Eu tentei escondê-lo, mas um violão não é lá uma coisa muito fácil de esconder. O rapazinho o achava e queria treinar todo dia. Tentei convencê-lo que tocar guitarra é muito mais cool, que piano é ainda melhor pra conquistar as garotas, que poderíamos leiloar o violão no próximo bazar beneficente. Imagine, ele não me dava nem uma palavra, só me olhava com aquela cara de "a minha mãe é mesmo maluca". Depois de muito penar, um dia eu o encarei; o violão. Ele me chamou, eu o peguei, o coloquei no colo, o envolvi nos braços, mas não sabia aonde colocar as mãos. Liguei pro professor do meu filho e pedi pra ele vir. Ele veio no dia seguinte,  na outra semana também, e na outra. Eu já aprendi a tocar as notas e o "Parabéns pra você". Quando o meu filho se mudou, levou o violão dele e eu comprei outro pra mim. Esse mora no meu quarto, do meu lado, ninguém mais me tira. Foi assim fiz as pazes com todos os violões do mundo e com as minhas mágoas, parabéns pra mim.

Rai, ai. Vivendo e crescendo. É óbvio que todas as regras acima tem exceções, afinal trata-se de uma teoria incrivelmente falível. Já vi mulheres calculistas profissionais na hora de escolher um homem, homens se apaixonarem à primeira vista e gente que já se transformou realmente com o amor. Conheço casais que sim se completam e que me provam ainda ter paixão, mesmo depois de anos e filhos e de pirão no mesmo prato, ao olharem com ternura, interesse e admiração um pro outro. São poucos esses que chegam ao topo, os campeões. Mas eles existem, e estão aí pra nos inspirar.

Feliz de quem aprende a ser inteiro (a) e a buscar realizar os próprios sonhos pra poder amar e conviver e de quem aprende a mesma coisa pra ser só e assim também estar bem. Acredito que esse é um dos principais desafios da jornada do viver. Arriscar-se a subir em picos escorregadios é até possível, mas só com uma boa rede de proteção embaixo, sustentada com firmeza pelo amor próprio, pra poder confiar no retorno ao chão, e ter chance de achar até graça da experiência. Melhor ainda se essa cena, ao invés de ter uma trilha romântica de filme água com açúcar, tiver um fundo musical dissonante e desafinado, mas que seja o seu, com a música que você aprendeu a tocar até agora.





24 abril 2014

O desejo do NADA


Nos dias atuais, a demanda de tarefas e as cobranças nos provoca uma necessidade de estarmos atentos e de produzir o tempo todo. Temos que trabalhar, criar filhos, dar atenção às pessoas, cumprir os compromissos no caos que está esse trânsito, cuidar dos afazeres domésticos, malhar,  estudar, aprender uma nova língua e até viajar e nos divertir de vez em quando. - E ainda precisamos estar com a unha pé feita! - Como sempre me diz uma amiga querida.

A conta? Ansiedade dividida em doze generosas parcelas por ano. Ânsia de ser boa em tudo, boa pra todo mundo, melhor e melhor pra si. É impressionante que até parada, e principalmente parada, estamos confabulando. Estamos vírgula, eu estou. Eu não sei você, mas se eu assisto a um filme, preciso anotar "aquela fala" pra usar depois, e ainda coloco as legendas em inglês pra treinar. Livro sem marcar não existe. Se vejo uma cor bonita, tenho que guardar o nome pra usar em algum lugar na decoração do apartamento. Se é algo a fazer, vai pra agenda do iphone, e com alarme. Se não retornar a ligação de alguém, me sinto um lixo. Se é um momento feliz, tem que ter foto. Não há HD que aguente!

Quando me lembro da adolescência, da preguiça e do sono que eu tinha, tenho a sensação de que estou na terceira vida nessa aqui mesmo. Às vezes preciso fugir do script da mulher madura responsável e evoco a adolescente, aquele da mocinha que não queria nada e que tão bem sabia dormir, ai que saudade!

Pensando em tudo isso, e principalmente por não conseguir parar de pensar, ontem concluí o meu segundo curso de meditação, o Sahaj Samadhi, do Arte de viver. Um dia eu aprendo. Sahaj, em sânscrito, significa ausência de esforço, e Samadhi é o silencioso, porém vívido estado de consciência que se encontra na fonte do pensamento. Quer dizer "descansar no ser", olha que coisa linda, tudo que eu preciso.

Com a palestra da Rashree Patel, uma mestra indiana, aprendi que se você alimenta seus pensamentos ruins, eles se tornam ações e aumentam a sua causa e efeito. Ela diz que não é preciso entender porque nos sentimos assim ou assado, a ordem para ser feliz é ACEITAR. A meditação é a prática de aceitar o momento presente, aconteça o que acontecer, em sua totalidade.

Eu aceito, eu quero aceitar tudo. Aceitei receber do simpático mestre argentino Ramiro Araujo o mantra pra meditar silenciosamente. Ele escolhe um pra cada pessoa de acordo com os seus desejos e necessidades. No curso, ele lembrou que vivemos a repetição sem parar, e o mantra tem a função de cortar essa repetição. Ele limpa a mente, e em consequência disso, provoca o tão desejado descanso no ser.

Hum rum. Tudo lindo, passei os três dias lá, fiz tudo direitinho, e nada. Eles não me largavam, enquanto eu estava lá quietinha e de olhos fechados: a lembrança de ligar pra saber como vai a tia, as providências pra festinha da filha, a idéia de pagar uma última conta quando chegar em casa. Já estava pra catar o meu tapete e pegar o meu rumo quando o Ramiro falou: - Não cobre nada da sua meditação, não espere muito de hoje. Quando um pensamento aparecer, dê um oi pra ele, deixe ele vir e ir embora. Faça isso por 30 dias, duas vezes ao dia, 20 minutos cada vez e aí sim, me mande um e-mail dizendo no que deu.

Deal! Eu sou de pagar pra ver, pior do que está eu não vou deixar ficar. Vou sim lutar com esses monstrengos, essa cambada de inúteis. Daqui a 30 dias então eu conto pro Ramiro e conto pra vocês. Até lá, no alvorecer e no entardecer eu vou tentar fazer algo extremamente útil, importante e necessário: NADA!!!




20 abril 2014

Parada a 1000/h


Aqui estou a escrever o quarto texto da semana. Parece muito, mas não é quase nada se eu disser que assisti dois filmes, uma série li três livros neste mesmo período. Se eu contar que contactei com algumas pessoas com quem eu não falava há meses e se eu somar a isso as orações que fiz.

Uma façanha obtida por livre e espontânea necessidade médica. Me submeti, acho que é assim que se diz, à uma cirurgia de mama que não me permite fazer nem 15% dos movimentos que gostaria. Hoje eu sei como se sentia o Tiranossauro rex. Só tomo bastante cuidado em manter a boca bem fechada pra não ficar enorme como ele, já que não estou apta a praticar os exercícios dos quais estou acostumada. O que fazer então com aquela energia que era liberada todos os dias? Nem jogar pedras eu posso, o meu braço não estica!

Então eu leio, escrevo e respiro. Quase uma monja, só que com um detalhe, a minha mente não pára. Nesse tempo já comprei três trechos de passagens, sabe Deus se vou dar conta de ir. E enquanto não vou, já viajei pelo sertão de 1930 com o Vidas Secas do Graciliano Ramos, me diverti horrores com o O diabo que te carregue! da Stella Florence, pegando uma carona na história da separação dela para repensar as minhas. Dei uma volta pelo oriente, com O Xamã no Tibet, conhecendo como o Milarepa chegou à iluminação. Quanto mais eu lia, mais eu via o quanto estou longe da minha. Conheci também um pouquinho mais sobre o Ernest Hemingway e a Martha Gellrorn no filme que tinha tudo para ser melhor, intitulado Hemingway e Martha, com aquela linda da Nicole Kidman. Sinceramente, se eu tivesse aquela cintura, eu não falava com ninguém. E ela ainda é a mais suave atriz que eu conheço, mesmo fazendo a correspondente de guerra Martha, a segunda mulher do Hemingway. Quanto a este, vou poder dizer um bocadinho mais quando o meu exemplar de O sol também se levanta chegar pelo correio. Ah sim, fiz compras nesse período também! Comprei quase todos os livros os quais me lembrei que um dia gostaria de ler, e isso me deixou até mais calminha. Que mais? Assisti a boa história As palavras, desses filmes que a gente não pode contar nadinha porque senão estraga tudo. Ele trata sobre a arte e a dor de escrever. Ainda nesse tema, dois dias antes de cair na faca, assisti a peça A Gaivota do Tchekhov, duas horas e meia de aula sobre texto e sobre teatro, numa montagem bem encenada pelos Argonautas.

Ho! Pra relaxar, desencavei a série completa do Sex and the city, pra cair por terra a imagem que vocês começaram a fazer de que estou me intelectualizando. Haha! Logo eu. Eu não tenho vocação pra Martha, nem pro Milarepa, muito menos pro Tchekhov, eu estou muito mais pra Carrie!!! Eu quero viagens, roupinha nova e um amor idem, isso sim.

E nessa esculhambação de pensamentos pra alimentar a minha criatividade, digamos assim, eu me recupero. Enquanto os meus pontos cicatrizam, novas idéias se partem. Eu mal posso sair do quarto, mas a minha imaginação voa, conhece e planeja. Foi de longe a semana santa mais fértil que já tive na vida, o que não quer dizer que eu não a trocaria facinho por um quarto de hotel na areia da praia a fazer absolutamente nada (e tudo) com alguém que eu adorasse. Olha, deixa eu parar porque hoje eu estou demais, deve ser a carência desse estado de convalescência.

Me recolho então à condição de T-rex que não pode devorar nada nem ninguém e volto pras minhas viagens apenas imaginárias e acumulo energia pra viver e valorizar o potencial e a capacidade que tem uma pessoa quando pode esticar os seus braços!