A cidade de Cuzco no Peru fica a 3.600 metros do nível do
mar, por isso é comum as pessoas sentirem os sintomas da falta de oxigênio, que
ocasiona o que eles chamam de “mal de altura” ou “soroche”, com enjoo e dor de
cabeça, no mínimo. Desde o aeroporto já encontramos os anúncios Soroche pills, para usted no perder su
viage!
Cheguei louca pra provar a famosa comida peruana, mas como
tinha que pegar leve fui de sopa, com leite de coco e curry que eu adoro.
Delícia, senti nada. E a fome continuou. Pedi então umas tapas e um brownie que
chegou pelando em uma cumbuca, uma coisa! Senti nada também. Então eu encarei
logo um pisco souer e comecei a me sentir em casa. A única coisa estranha foi
sentir o coração disparar nas subidas, não tinha fôlego! Logo eu, uma ex futura
quase atleta. Ok, é só subir as ladeiras e as escadas mais devagar, eu não
tenho pressa mesmo...
No dia seguinte fizemos um passeio lindo pelo Vale Sagrado,
visitei Pysac e Ollantaytambo, dei alfafa para as llamas, alpacas e vicunhas.
Tive a sorte de ter uma guia delicada e competente que me contou in loco a
história da civilização Inka, da sabedoria deles e da reverência à natureza, a
invasão espanhola, a cultura e os costumes que foram mexidos até chegarem em
povo simpático que sabe muito bem receber o turista.
Fui dormir excitada com tantas informações contadas por ela
e também com as visuais, foram muitas imagens diferentes pra processar. Tive
que compartilhar no Facebook, caso contrário poderia explodir. Aí já viu,os amigos curtem e você comenta, e quando eu percebi, já eram pra lá das duas da
matina. Fui dormir sem sono e sonhei um monte, mexia, lembrava dos cemitérios
Inkas nas montanhas, das pessoas que eu queria que viessem aqui, do quanto o
planeta é enorme e tal.
Acordei cedo e com a maior dor de cabeça. Me lembrei que
tinha que ligar pra empresa aérea pra pedir um reembolso, pois comprei um novo
voo para voltar em tempo da formatura da filha e tinha que cancelar o primeiro.
Piorou a dor. Ligaram de casa pra dizer que surgiu mais um imprevisto na obra
pra gastar mais e atrasar mais. Aiai. A empresa aérea depois de 36 minutos de
chamada internacional no celular diz que não vai reembolsar nada, que eu tinha
comprado um pacote e que se eu não quisesse voltar problema meu, vide letrinhas
no contrato que eu num clique, aceitei. Ui! Fui tomar banho pra mudar a energia
e quando procurei os dólares pra trocar na rua não achei. Mas eu tinha certeza
que estava entre as roupas na mala! Será que entrou alguém no quarto enquanto
eu saí para jantar? Aquele recepcionista tão simpático? Socorro!
Revirei a mala mais três vezes e nada. Foi o jeito ligar pra
mais call centers pras empresas do cartões desbloquearem o serviço de saque
internacional, uma overdose de chaturas telefônicas. A minha cabeça explodia.
Danado de soroche, só podia ser. Pedi à minha amiga que fosse passear porque eu
precisava voltar pra cama e começar o dia de novo.
E entrei no pijama. Dormi, desta vez sem sonhos, por duas
horas. Acordei, me vesti, saí, passei na farmácia, comprei o remédio do soroche
e tomei na hora com bastante água. Encontrei a minha amiga num restaurante
delicioso com o divertido nome de Ciciollina, e comemos bem. Saímos, não
demorou pra eu começar a rir do meu desacerto, pois tentamos em inúmeros caixas
sacar dinheiro dos meus dois cartões de crédito e nada. Me restavam poucos
novos soles, mais alguma reserva de bom humor, ainda bem. Fomos passear nas
igrejas e museus da cidade.
Decidimos sair pra boate de salsa para comemorar o meu soroche total. Talvez eu devesse me preocupar em passar mais seis dias em
terras estranhas sem dinheiro mas sobre isso eu pensaria amanhã. No dia seguinte eu me
preocuparia e ligaria pro cartão e faria tudo de novo, mas só amanhã.
Sacudo os cabelos, passo um rímel, mais perfume e quando eu
enfio o pé na calça amarela eis que estavam lá, todas as seis lindas notinhas
de cem dólares. Nós não acreditávamos! Eu estava rica, riquíssima!!!
Acho que nunca vamos esquecer a cara uma da outra quando
achamos o dinheiro. Pareciam duas meninas que conseguiram o convite pro baile do
príncipe. Mas quem por que diacho enfiaria o único dinheiro que tem numa perna
de calça? Eu, oras, normal. Só que eu perco e acho. Tá, às vezes eu não acho e isso é mesmo muito chato mas o que fazer?
Até agora eu não sei se foi o remédio de soroche ou o bom
humor que me curou. Não me dei tempo pra pensar, coloquei o casado pesado por
cima da roupa colorida e saí pra aproveitar cada cêntimo de segundo em Cusco, a
cidade nas alturas que me chama pra ser feliz acima de qualquer soroche.
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