05 novembro 2010

Desafinada


É duro ser uma filha normal de uma mãe incrível em alguma coisa. A minha toca piano divinamente, seja com partitura ou não. Tem um ouvido apurado, é capaz de desenrolar também um acordeom e se deixar, violão. É afinadíssima e consegue saber se uma pessoa está fora do tom três segundos depois que ela abre a boca.
Esse é o problema. Toda vez que eu começava a cantar alguma coisa ela falava: - Vixe! E com careta. Ela sempre fez com que eu me sentisse muito linda, muito amada e muito desafinada.
Só senti pra valer o resultado disso quando cheguei na escola de teatro. Volta e meia tinha uma aula de voz ou uma cena com canto. E aí já era, travava, não saía de jeito nenhum.
E os testes? Lembro-me de ir para a seleção do filme "Dona Flor e seus dois maridos". Na época, eu tinha 18 anos, era morena, acho que tinha tudo pra fazer uma ponta, nem que fosse uma figurante subindo a ladeira com uma bacia na cabeça.
Passei da primeira fase, que era só uma entrevista. Deveria ter mais umas dez etapas, mas mesmo assim eu me animei. Só que, qual era a segunda? Isso:
- Agora você canta uma música. 
- Hã? (Hã é a minha cara, eu sempre tão lerda!!!) Estavam filmando o teste e tinha microfone. Câmera até vai, mas microfone... morro de medo.
Sabe o que eu cantei?
- Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, não se arrepender do que faz...
Foi o nervoso. Esta era uma música que a minha mãe cantava. O cara me deu outra chance: - Canta um axé, minha filha!
E eu cantei lá qualquer coisa bem pra dentro, bem descrente e bem conformada em ser desafinada e assistir a minha provável carreira cinematográfica voar pela janela. E nem me lembro de ter alguém cantando no filme de D. Flor... Talvez Vadinho, bêbado?!
O final ficou triste não foi? Mas não é pra ficar, eu gosto muito da minha vida como ela é. E adoro, simplesmente amo ser anônima, um ponto assim qualquer na multidão.

Valeu lembrar disso para contar essa história e para quem sabe ficar mais atenta às minhas reações diante dos "talentos em desenvolvimento" dos meus filhos. E para me ajudar a escolher a nossa música, “Desafinado”, do João Gilberto. Já que não sei cantar, sempre que tenho a oportunidade peço que alguém o faça e dedico para ela: “Se você disser que eu desafino amor, saiba que isso em mim provoca imensa dor. Só privilegiados têm ouvido igual ao seu, eu possuo apenas o que Deus me deu.” Bem satisfeita por não me saber cantora, mas por saber reconhecer um ou outro talento aqui e ali, como o de desencavar momentos para escrever histórias. E, assim, eu não canto, mas encanto. E ela toca no piano e canta a música da desafinada que ela não é, para que tudo se complete.




2 comentários:

  1. Rsrsrsrs,adorei essa do microfone,é só feichar os olhos que a coragem vem e a vergonha passa tenta essa ai,srrsrsrs.

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  2. Amiga, até eu fiz uma ponta nesse filme...ahhahahahah...e não lembro de ninguem cantando não...kkkkkkkkkkkk
    Bjs
    Beth

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