É duro ser uma filha normal de uma mãe
incrível em alguma coisa. A minha toca piano divinamente, seja com partitura ou
não. Tem um ouvido apurado, é capaz de desenrolar também um acordeom e se
deixar, violão. É afinadíssima e consegue saber se uma pessoa está fora do tom
três segundos depois que ela abre a boca.
Esse é o problema. Toda vez que eu começava a
cantar alguma coisa ela falava: - Vixe! E
com careta. Ela sempre fez com que eu me sentisse muito linda, muito amada e
muito desafinada.
Só senti pra valer o resultado disso quando
cheguei na escola de teatro. Volta e meia tinha uma aula de voz ou uma cena com
canto. E aí já era, travava, não saía de jeito nenhum.
E os testes? Lembro-me de ir para a seleção
do filme "Dona Flor e seus dois maridos". Na época, eu tinha 18 anos,
era morena, acho que tinha tudo pra fazer uma ponta, nem que fosse uma
figurante subindo a ladeira com uma bacia na cabeça.
Passei da primeira fase, que era só uma
entrevista. Deveria ter mais umas dez etapas, mas mesmo assim eu me animei. Só
que, qual era a segunda? Isso:
-
Agora você canta uma música.
-
Hã? (Hã é a minha cara, eu
sempre tão lerda!!!) Estavam filmando o teste e tinha microfone. Câmera até
vai, mas microfone... morro de medo.
Sabe o que eu cantei?
-
Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, não se arrepender do que faz...
Foi o nervoso. Esta era uma música que a
minha mãe cantava. O cara me deu outra chance: - Canta um axé, minha filha!
E eu cantei lá qualquer coisa bem pra dentro,
bem descrente e bem conformada em ser desafinada e assistir a minha provável
carreira cinematográfica voar pela janela. E nem me lembro de ter alguém
cantando no filme de D. Flor... Talvez Vadinho, bêbado?!
O final ficou triste não foi? Mas não é pra
ficar, eu gosto muito da minha vida como ela é. E adoro, simplesmente amo ser
anônima, um ponto assim qualquer na multidão.
Valeu lembrar disso para contar essa história
e para quem sabe ficar mais atenta às minhas reações diante dos "talentos
em desenvolvimento" dos meus filhos. E para me ajudar a escolher a nossa
música, “Desafinado”, do João Gilberto. Já que não sei cantar, sempre que tenho
a oportunidade peço que alguém o faça e dedico para ela: “Se você disser que eu
desafino amor, saiba que isso em mim provoca imensa dor. Só privilegiados têm
ouvido igual ao seu, eu possuo apenas o que Deus me deu.” Bem satisfeita por
não me saber cantora, mas por saber reconhecer um ou outro talento aqui e ali,
como o de desencavar momentos para escrever histórias. E, assim, eu não canto,
mas encanto. E ela toca no piano e canta a música da desafinada que ela não é,
para que tudo se complete.
Rsrsrsrs,adorei essa do microfone,é só feichar os olhos que a coragem vem e a vergonha passa tenta essa ai,srrsrsrs.
ResponderExcluirAmiga, até eu fiz uma ponta nesse filme...ahhahahahah...e não lembro de ninguem cantando não...kkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirBjs
Beth