15 fevereiro 2014

O voo do primogênito


Acredito verdadeiramente que o sucesso na missão de ser mãe e pai acontece quando os seus filhos voam. Sejam eles de quaisquer espécie animal. Driblar as ameaças do habitat, que no caso da juventude nos dias atuais são muitas, fazem de qualquer rapaz um sobrevivente, e dos pais, uns vencedores.
No sertão, quando se pergunta a quantidade dos filhos de alguém, costuma-se somar quantos foram paridos com quantos vingaram. O meu menino vingou, graças a Deus. Chegou aos 18 anos sem maiores contratempos, sem drogas, sem doenças, com apenas um ossinho da mão direita rachado em uma luta greco-romana na escola, recuperado com algumas semanas de gesso.
Hoje acordei determinada a cumprir bravamente a missão de me despedir, deixa-lo em seu novo apartamento e pegar o avião pra voltar pra casa, tudo bem ensaiado mentalmente há dias. Mas ao vê-lo dormindo me soltei fácil do script. Me lembrei dele no berço, há pouco tempo atrás. É, bem pouco. A ausência do cabelo, retirado sem cerimônia pelos desconhecidos veteranos da faculdade, deixou o seu aspecto mais frágil. Ao comentar com o meu irmão do ocorrido, ele disse que aquela era uma experiência importante. Logo me veio à mente a tribo dos guerreiros universitários paulistanos, cumprindo fidedignamente o ritual de passagem dos recém homens integrados, anunciados ao mundo através das suas cabeças peladas. Vai ver foi por isso que o meu rapaz não quis nem saber de boné.
Orei com toda a fé que acumulei até hoje por cada centímetro do seu corpo. Sustentei as mãos por mais tempo sobre a sua cabeça com cuidado para não tocá-lo. Ele não queria acordar, desconfio que estava fingindo não ouvir as minhas fungadas. Pedi a Deus proteção para aquele pequeno lar, escolhido e pensado em cada detalhe para o seu bem estar. Orei pela porta. Isso, pela porta. Para que só entrasse ali o Bem, com força de B maiúsculo. Orei tudo que eu sabia e que deu tempo até o táxi chegar. Pra conter o choro e poder enfrentar o Sr. Vidal, o taxista, fui dura, me dei uma bronca. Mulher, você não está olhando para o seu filho em um hospital ou em uma cadeia, pra não dizer coisa pior. Não estou aguentando imaginar coisas piores agora. Me recompus diante do respeito que se deve ter diante da saúde, da fartura e de tantas boas promessas de futuro. Coisa feia é chilique. Sim, de toda a teoria eu sei, o que não impede em absolutamente nada a saudade de doer.
Problema meu, ok. Ele não prestou vestibular em um raio inferior a dois mil quilômetros de mim. Será possível que até no intercâmbio eu fui na cola dele! Me larga, mãe - eu quase pude ouvir o seu pensamento enquanto eu o beijava levemente. De repente ele tirou a mão debaixo da coberta e apertou o meu braço, em seguida deu um beliscão em minha barriga, sem abrir os olhos. Era a sua versão de tchau sem babaquice. 
Funcionou. Consegui me virar e sair do quarto, passei mais uma vez o olho pela pequena sala, lavei e guardei um copo que estava à toa e fechei a porta, dando duas voltas na tranca por fora. Desci puxando a mala e consegui chegar diante do Sr. Vidal sem deixar uma lágrima descer dos óculos escuros. Era o mínimo que se poderia esperar da compostura de uma campeã.


6 comentários:

  1. A nossa missão agora é deixar o passarinho alçar seu voo. E de longe observarmos seus desafios e conquistas mas sem jamais perdê-los de vista e estando permanentemente em oração. Assim somos nós,mães guerreiras e vitoriosas. Um forte abraço amiga,Incrível Falível!

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  2. ...simples e gostoso de ler, passa muito coração, cotidiano, desapego e amor. Gosto também de escrever, há 14 anos faço textos pensando em fazer um livro, me faltou tempo, coragem e organizar tantos textos... criar. Só sei o nome que ele terá. Estou no seu Face, gostaria de ter alguém com este perfil para conversar sobre textos e profundidades deles, coisa tão rara de achar...admiro você. SUCESSO!

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  3. Ohhh Val... que emoção linda passou nesse texto. Uma das maiores verdades da vida é um clichê: a gente tem que criar os filhos para o mundo. Mas que dói dói. Minha experiência agora é o casamento da minha (única) filha em breve. Já estou chorando. Sei que é ridículo mas toda mãe é um pouco ridícula... A gente aguenta! rs beijos

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  4. Você e o seu o dom de me fazer chorar!!! Meu filho ta entrando na adolescência e começando a criar asas... acho que não estou preparada, na verdade, nós, mães, não estamos nunca, mas ainda que, por dentro, estejamos aos pedaços, só nos resta reunir forças e apoiá-los em todos os seus sonhos, com muita firmeza e um largo sorriso no rosto, com a consciência de termos feito o nosso melhor!!! Parabéns!!! Vc fez de Vítor, um homem de bem e é de gente assim que o mundo ta precisando!!! Que venham os próximos vôos!!!

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  5. É tão bom ser entendida por gente sensível! Muito obrigada queridos!!!

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  6. Pois é assim! O tempo que em nada e falível, nós mostra o quanto é incrível ser mãe/pai é uma missão de luz, força e fé! Porem como é difícil ver seres que a pouco tempo eram tão pequenos e grudados conosco começar a sua própria trajetória. Mesmo que tenhamos feito tudo o que foi necessário e possível, ainda vamos achar que o tempo passou rápido e não estaremos preparadas (os) para esta nova fase!!! O bom mesmo de tudo o que o tempo faz com nossos dias e ver que nossas ações nos levaram ao caminho da luz, ao caminho do bem, seguindo o caminho da nossa evolução e auxiliando outros a seguir a sua! E isso ai.. Luz e paz no caminho desta linda família!

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