27 junho 2014

Machu Picchu


Sempre ouvi falar de Machu Picchu. De pessoas diversas. De gente que vem aqui tirar umas fotos até peregrinos em busca de uma experiência espiritual, cientes de que aqui se localiza el ombligo del mundo, ou um dos sete chakras do planeta. Uma pessoa até me pediu uma prece quando eu chegasse aqui, outros que eu chamasse os nomes deles para eles virem em breve também.
Eu pesquisei quase nada antes de vir, tenho essa falha, uma mistura de preguiça com desejo de surpresa mesmo. Gosto de chegar e sentir.
E que bom que eu fiz isso. Que bom não ter lido em lugar nenhum sobre a sonoridade do rio Urubamba! Quando cheguei na estação de trem de Aguas Calientes fiquei louca com o visual do vale e com aquele som. Perguntava: - Isso é água? É barulho de água? - até que o passante me guiou por seis passos para que eu me debruçasse sobre ele, enorme, imponente e rápido no seu curso, passando entre as pedras enormes do caminho dele até chegar à Amazônia.
Só de saber que iria dormir de frente pra ele pra mim já estava bom. Quando uma prima viu a pela foto o meu deslumbre me preparou: -Espere só quando ver lá de cima!
Respirei fundo. Desejei intensamente que muita gente que amo viesse ver isso. Acordamos bem cedo e fomos para as ruínas de Macchu Picchu. Adoraria ter chegado pelo caminho Inka mas não foi desta vez, cheguei de ônibus mesmo. Com um monte de turistas que, à medida que as horas avançavam, se multiplicavam. Tirei fotos e achei tudo no mínimo impressionante. Era possível ouvir o Urubamba lá de cima e vê-lo entre os vales enormes. Dei graças quando o guia terminou o roteiro e todas as explicações. Ainda tinha algumas horas! 
Comecei a andar procurando “o” lugar. Tinha que estar na sombra, com menos acesso de turistas e com uma vista que me atestasse a dimensão da natureza e o tamanho da minha sorte de contemplá-la.
Encontrei! Acho que o guia chato passou a vez pra outro, agora um silencioso e invisível, que só eu poderia seguir. Do meu lugar eu via um amontoado de montanhas, o rio Urubamba lá embaixo e nenhuma, nenhumazinha intervenção humana. Nem uma buraco por uma árvore desmatada ou plástico no chão. No meu campo visual só a naturaleza, o Deus para o povo inka que construiu aquele templo sagrado.
Tirei os sapatos, sentei com imenso conforto. Senti a brisa fria como um sopro amoroso. Ouvia pássaros diferentes dos que estou habituada. Primeiro, exercício de respiração, depois meditação, só de estar ali inalando daquele ar, percebi que tudo vibrava em modo automático. As cores vinham fácil e se expandiam pelo meu corpo, pelo vale em todas as direções. Comecei a sentir amor. Um amor imenso. Só então peguei o terço e comecei a orar, uma continha por cada um. Comecei pelo óbvio, os filhos, a mãe, o irmão. Depois deixei a intuição conduzir, a minha mente passeava por famílias, grupos, gente que já partiu, gente próxima e gente que eu nem imaginava que eu fosse lembrar. Mas todos que apareciam eu orava. Pedia por algo que eu acreditava que a pessoa precisasse e chamava a todos para estar ali. Não em Macchu Pichu, não no Peru, mas naquele grande estado de paz.
Foram três voltas, o que acabei de saber que é o que compõe um rosário. Faltando as três últimas eu chorei. Um choro de alegria, alívio e amor. Fiz questão de abrir os olhos bem devagarinho pra degustar cada pedacinho. Primeiro ver as minhas pernas adormecidas em lótus, depois a grande pedra que eu estava sentada, a seguir o Urubamba, o verde infinito, os topos das montanhas, a neve da mais alta lá atrás, e por último o céu.
E assim aconteceu a melhor viagem. Sem caminhadas, sem artifícios, sem programação. Apenas eu, todos as pessoas, a natureza e Deus. Apenas tudo.



Soroche


A cidade de Cuzco no Peru fica a 3.600 metros do nível do mar, por isso é comum as pessoas sentirem os sintomas da falta de oxigênio, que ocasiona o que eles chamam de “mal de altura” ou “soroche”, com enjoo e dor de cabeça, no mínimo. Desde o aeroporto já encontramos os anúncios Soroche pills, para usted no perder su viage!
Cheguei louca pra provar a famosa comida peruana, mas como tinha que pegar leve fui de sopa, com leite de coco e curry que eu adoro. Delícia, senti nada. E a fome continuou. Pedi então umas tapas e um brownie que chegou pelando em uma cumbuca, uma coisa! Senti nada também. Então eu encarei logo um pisco souer e comecei a me sentir em casa. A única coisa estranha foi sentir o coração disparar nas subidas, não tinha fôlego! Logo eu, uma ex futura quase atleta. Ok, é só subir as ladeiras e as escadas mais devagar, eu não tenho pressa mesmo...
No dia seguinte fizemos um passeio lindo pelo Vale Sagrado, visitei Pysac e Ollantaytambo, dei alfafa para as llamas, alpacas e vicunhas. Tive a sorte de ter uma guia delicada e competente que me contou in loco a história da civilização Inka, da sabedoria deles e da reverência à natureza, a invasão espanhola, a cultura e os costumes que foram mexidos até chegarem em povo simpático que sabe muito bem receber o turista.
Fui dormir excitada com tantas informações contadas por ela e também com as visuais, foram muitas imagens diferentes pra processar. Tive que compartilhar no Facebook, caso contrário poderia explodir. Aí já viu,os amigos curtem e você comenta, e quando eu percebi, já eram pra lá das duas da matina. Fui dormir sem sono e sonhei um monte, mexia, lembrava dos cemitérios Inkas nas montanhas, das pessoas que eu queria que viessem aqui, do quanto o planeta é enorme e tal.
Acordei cedo e com a maior dor de cabeça. Me lembrei que tinha que ligar pra empresa aérea pra pedir um reembolso, pois comprei um novo voo para voltar em tempo da formatura da filha e tinha que cancelar o primeiro. Piorou a dor. Ligaram de casa pra dizer que surgiu mais um imprevisto na obra pra gastar mais e atrasar mais. Aiai. A empresa aérea depois de 36 minutos de chamada internacional no celular diz que não vai reembolsar nada, que eu tinha comprado um pacote e que se eu não quisesse voltar problema meu, vide letrinhas no contrato que eu num clique, aceitei. Ui! Fui tomar banho pra mudar a energia e quando procurei os dólares pra trocar na rua não achei. Mas eu tinha certeza que estava entre as roupas na mala! Será que entrou alguém no quarto enquanto eu saí para jantar? Aquele recepcionista tão simpático? Socorro!
Revirei a mala mais três vezes e nada. Foi o jeito ligar pra mais call centers pras empresas do cartões desbloquearem o serviço de saque internacional, uma overdose de chaturas telefônicas. A minha cabeça explodia. Danado de soroche, só podia ser. Pedi à minha amiga que fosse passear porque eu precisava voltar pra cama e começar o dia de novo.
E entrei no pijama. Dormi, desta vez sem sonhos, por duas horas. Acordei, me vesti, saí, passei na farmácia, comprei o remédio do soroche e tomei na hora com bastante água. Encontrei a minha amiga num restaurante delicioso com o divertido nome de Ciciollina, e comemos bem. Saímos, não demorou pra eu começar a rir do meu desacerto, pois tentamos em inúmeros caixas sacar dinheiro dos meus dois cartões de crédito e nada. Me restavam poucos novos soles, mais alguma reserva de bom humor, ainda bem. Fomos passear nas igrejas e museus da cidade.
Decidimos sair pra boate de salsa para comemorar o meu soroche total. Talvez eu devesse me preocupar em passar mais seis dias em terras estranhas sem dinheiro mas sobre isso eu pensaria amanhã. No dia seguinte eu me preocuparia e ligaria pro cartão e faria tudo de novo, mas só amanhã.
Sacudo os cabelos, passo um rímel, mais perfume e quando eu enfio o pé na calça amarela eis que estavam lá, todas as seis lindas notinhas de cem dólares. Nós não acreditávamos! Eu estava rica, riquíssima!!!
Acho que nunca vamos esquecer a cara uma da outra quando achamos o dinheiro. Pareciam duas meninas que conseguiram o convite pro baile do príncipe. Mas quem por que diacho enfiaria o único dinheiro que tem numa perna de calça? Eu, oras, normal. Só que eu perco e acho. Tá, às vezes eu não acho e isso é mesmo muito chato mas o que fazer? 

Até agora eu não sei se foi o remédio de soroche ou o bom humor que me curou. Não me dei tempo pra pensar, coloquei o casado pesado por cima da roupa colorida e saí pra aproveitar cada cêntimo de segundo em Cusco, a cidade nas alturas que me chama pra ser feliz acima de qualquer soroche.