Sempre ouvi falar de Machu Picchu. De pessoas diversas. De
gente que vem aqui tirar umas fotos até peregrinos em busca de uma experiência
espiritual, cientes de que aqui se localiza el ombligo del mundo, ou um dos
sete chakras do planeta. Uma pessoa até me pediu uma prece quando eu chegasse
aqui, outros que eu chamasse os nomes deles para eles virem em breve também.
Eu pesquisei quase nada antes de vir, tenho essa falha, uma
mistura de preguiça com desejo de surpresa mesmo. Gosto de chegar e sentir.
E que bom que eu fiz isso. Que bom não ter lido em lugar
nenhum sobre a sonoridade do rio Urubamba! Quando cheguei na estação de trem de
Aguas Calientes fiquei louca com o visual do vale e com aquele som. Perguntava:
- Isso é água? É barulho de água? - até que o passante me guiou por seis passos
para que eu me debruçasse sobre ele, enorme, imponente e rápido no seu curso,
passando entre as pedras enormes do caminho dele até chegar à Amazônia.
Só de saber que iria dormir de frente pra ele pra mim já
estava bom. Quando uma prima viu a pela foto o meu deslumbre me preparou:
-Espere só quando ver lá de cima!
Respirei fundo. Desejei intensamente que muita gente que amo
viesse ver isso. Acordamos bem cedo e fomos para as ruínas de Macchu Picchu. Adoraria
ter chegado pelo caminho Inka mas não foi desta vez, cheguei de ônibus mesmo.
Com um monte de turistas que, à medida que as horas avançavam, se
multiplicavam. Tirei fotos e achei tudo no mínimo impressionante. Era
possível ouvir o Urubamba lá de cima e vê-lo entre os vales enormes. Dei graças quando o guia terminou o roteiro e todas as
explicações. Ainda tinha algumas horas!
Comecei a andar procurando “o” lugar. Tinha que estar na sombra, com menos acesso de turistas e com uma vista que me atestasse a dimensão da natureza e o tamanho da minha sorte de contemplá-la.
Comecei a andar procurando “o” lugar. Tinha que estar na sombra, com menos acesso de turistas e com uma vista que me atestasse a dimensão da natureza e o tamanho da minha sorte de contemplá-la.
Encontrei! Acho que o guia chato passou a vez pra outro, agora um
silencioso e invisível, que só eu poderia seguir. Do meu lugar eu via um
amontoado de montanhas, o rio Urubamba lá embaixo e nenhuma, nenhumazinha
intervenção humana. Nem uma buraco por uma árvore desmatada ou plástico no
chão. No meu campo visual só a naturaleza,
o Deus para o povo inka que construiu aquele templo sagrado.
Tirei os sapatos, sentei com imenso conforto. Senti a brisa
fria como um sopro amoroso. Ouvia pássaros diferentes dos que estou habituada. Primeiro, exercício de respiração, depois meditação, só de estar ali inalando daquele
ar, percebi que tudo vibrava em modo automático. As cores vinham fácil e se
expandiam pelo meu corpo, pelo vale em todas as direções. Comecei a sentir
amor. Um amor imenso. Só então peguei o terço e comecei a orar, uma continha
por cada um. Comecei pelo óbvio, os filhos, a mãe, o irmão. Depois deixei a
intuição conduzir, a minha mente passeava por famílias, grupos, gente que já
partiu, gente próxima e gente que eu nem imaginava que eu fosse lembrar. Mas
todos que apareciam eu orava. Pedia por algo que eu acreditava que a pessoa
precisasse e chamava a todos para estar ali. Não em Macchu Pichu, não no Peru,
mas naquele grande estado de paz.
Foram três voltas, o que acabei de saber que é o que compõe
um rosário. Faltando as três últimas eu chorei. Um choro de alegria, alívio e
amor. Fiz questão de abrir os olhos bem devagarinho pra degustar cada pedacinho.
Primeiro ver as minhas pernas adormecidas em lótus, depois a grande pedra que eu
estava sentada, a seguir o Urubamba, o verde infinito, os topos das montanhas,
a neve da mais alta lá atrás, e por último o céu.
E assim aconteceu a melhor viagem. Sem caminhadas, sem
artifícios, sem programação. Apenas eu, todos as pessoas, a natureza e Deus.
Apenas tudo.