Diálogo entre a Incrível e a falível

Sala de espera do quiropratcista. Tarde de terça feira.

Dona Incrível chega com os cabelos cuidadosamente enrolados em um coque moderno. Calça justa, blusa estampada e uma sandália alta. Com óculos escuros e uma bolsa grande.

A Falível já estava lá. De tênis, camiseta e casaco de moletom. Maquiagem nenhuma, olheiras imensas. Esqueceu de lavar e pentear o cabelo e o prendeu com um elástico que achou no chão do carro. Na mão o celular, de onde não tirava os olhos.

De repente a Falível espirra levando a mão à boca. Ela é alérgica e nunca toma os devidos remédios para se tratar. A sua mão fica molhada mas ela tenta disfarçar limpando-a na calça jeans.

É dada a largada:

I- Saúde! Você aceita um lenço? Já sacando um pacote novinho da bolsa maravilhosa.

A Falível aceita meio sem graça por ter sido pega no flagra das corizas espirrantes.

I- Você vem sempre aqui? Está fazendo tratamento?

A Falível pensa que saco que é ter que parar de mexer no telefone para responder.

F- Não sou eu, é o meu filho, ele tem 15 anos, toca guitarra e estava sentindo dores na mão quando tocava, daí o pediatra sugeriu esse tratamento. - Disse, já antecipando as respostas das próximas três ou quatro perguntas.

I- Ah, eu também estou trazendo o meu filho, o mais velho, um menino de ouro sabe? O médico receitou três sessões por semana, eu moro longe mas não hesito, se é para o bem dele eu faço!- Diz sempre sorrindo - O meu nome é Incrível e o seu?

F- Falível. Prazer. - Pensou em estender a mão mas depois lembrou-se que estava melecada e desistiu. Ela estava irritadíssima com todo aquele bom humor. Na verdade tinha um milhão de dúvidas sobre a eficácia de um quiropratcista, morria de preguiça de levar o filho e achava aquilo muito caro. Mesmo assim resolveu puxar uma pergunta: - Você não é daqui, é?

I- Não, sou do Brasil. Já ouviu falar?  - Esperou para ver se a Falível interagia mas não saiu nada. - Vim passar um tempo com minha família daqui para aprender a língua e a cultura, e estou adorando!

F- Eu também vim de fora, mas acho tudo muito difícil. Me atrapalho muito, tomo cada prejuízo, me perco e vivo arrasada de cansada em fazer tudo sozinha com três crianças. Esta noite eu não dormi, estou aqui a cinquenta por cento de mim.

I- É, sem dormir fica difícil mesmo. Tudo é uma questão de organização, você vai encontrar o equilíbrio.  E quem disse que eu não me canso? Ai ai, e muito! Mas basta receber um abraço aqui, um sorriso alí e lógico, uma boa noite de sono que eu me sinto a mulher mais fantástica do mundo.

A Falível congelou-se por três segundos na expressão da Incrível. Sentiu uma empatia, como se ela soubesse e sentisse exatamente o que a outra estava dizendo.

Foi quando a Incrível prosseguiu:

I- Mas eu sei exatamente como você se sente, acredite. 
E é um alívio saber que não é só comigo.

Nesse momento chega o seu filho. Ela toca em seu ombro e educadamente o apresenta a sua recém conhecida.

I- Foi um prazer conversar com você, Falível! Agora eu vou porque ainda tenho que preparar o jantar. Boa sorte! E anime-se, aproveite cada dia como se fosse o último! 

A Falível conseguiu falar: - Obrigada Dona Incrível, boa sorte também.- Mas continuou anestesiada admirando o andar daquela mulher vibrante até deixar a sala do consultório.

Quando o seu filho chegou, ela acariciou os seus cabelos e perguntou: - E aí, foi tudo bem? Vai querer comer o quê hoje? -  Seguiu conversando com ele ao tempo em que inspirava fundo colocando os ombros para trás. E ao abrir a porta estranhou a luminosidade daquele dia, parecia que estava muito mais bonito.