Hoje, quando cheguei na creche, encontrei a Mirian diferente, estava com um sorriso um pouco maior. Quis logo entrar na arrumação do escritório, mas ela me pegou pela mão para ver as suas panelas. Tinha frango ensopado com legumes, arroz, feijão, e mamão cortado para a sobremesa. Nada fora do normal, se isso fosse pelo menos um pouco fácil para ela de conseguir. Mirian, que é a presidente da Creche Frutos de Mães, em Massaranduba, é herdeira da empreitada da mãe, que começou essa história ficando com os filhos das vizinhas mais pobres do que ela, na antiga Palafitas, há 28 anos. Mirian agora está cozinhando cinco refeições (quando tem), para 100 crianças, porque ela não pôde pagar o salário de R$500,00 que a cozinheira pediu. Na segunda-feira, ela me disse que eles estavam comendo soja há semanas, por falta de outra proteína e de feijão. Não havia bolachas ou pães, por isso a opção do café da manhã era sempre mingau, e às vezes tinha que pular os lanches, e ir direto pro almoço ou pra sopa. A doação que ela buscou da prefeitura essa semana foi composta de algumas mangas bem maduras e um monte de iogurtes a dois dias de vencer. Entregamos R$264,00 à Mirian, o que foi suficiente para garantir a complementação da alimentação da semana, e a receptividade sorridente da presidente.
Acho que todos pensam um pouco sobre isso, eu nunca entendi porque sempre tive tanto, uma vida, mais três filhos com saúde, fartura, amor, tempo e oportunidades, tudo com tão pouco esforço. Mas algo me dizia, e não foi ninguém, outro dia eu vi no livro de Lucas 12: 47 e 48, "Pedir-se-á muito àquele que muito recebeu, e prestará contas aquele a que foram confiadas muitas coisas.", mas eu já sabia. No começo tentava ajudar algumas pessoas, mas não era isso. Entrei em um grupo, o Voluntários de Coração, que faz eventos e ações em prol de instituições beneficentes de Salvador, no qual sou muito feliz com meus amigos há 8 anos, mas não foi suficiente. Juntei então outra galera e formamos o MultiplicAção do Bem, que tinha o intuito de fazer melhorias estruturais e administrativas pelo período de uma ano em cada instituição. Passamos um com a Creche Béu Machado, com um resultado, digamos, razoável. No ano passado fomos para a Frutos, e aí sim, foi feito um bocadinho mais, através de reformas. Havia problemas com o telhado, com a calha, com o esgoto, infiltrações, era uma doideira, quando chovia muita água entrava e pra sair era um sufoco. Resolvemos isso em parceria com o grupo do Voluntários e foi tão bom ficar lá, que esticamos por esse ano e reformamos a cozinha, vamos inaugurá-la no próximo dia 22 /08, e você é o nosso convidado!
Tinha acabado de chegar o mês de Agosto, era o dia 05. Por oito meses estávamos remoendo a decisão, olhando outras creches para mudarmos, fazendo outras coisas, eu estudando e lançando o livro, foco nenhum. Até que, a gosto de Deus, eu espero, resolvemos: vamos ficar na Frutos de Mães até que ela se torne sustentável. Afinal, ver que a chuva não traz mais transtornos é bom, mas não adianta muito se toda vez que vamos lá, encontramos o freezer vazio. Fui dizer na reunião que não tínhamos meta de saída dessa missão, e o grupo todo riu, lembrando da Dilma, que tinha acabado de se embananar com as metas dela. Espero que sejamos bem diferentes, no nosso caso não ter meta ou prazo é até bom. Quando se trata de MultiplicAção do Bem, sabemos mais ou menos como começar, mas como imaginar aonde isso vai nos levar?
Desde esse dia não durmo direito, pensando em possibilidades e escrevendo, fazendo sonhos virarem projetos. Coisa de mulher apaixonada. Já estamos nas redes sociais, e em breve vamos divulgar as formas de participar e multiplicar algumas sementes de solidariedade. Muito trabalho, justificadíssimo pelo segundo puxão pela mão da Mirian, dessa vez pra eu ver os meninos comendo, aquela centena de pratinhos com o mesmo tanto, com todos em silêncio, sem bagunça, ninguém diz que não gosta de feijão, ou de mamão. Até os de um ano de idade pegam na colher direitinho e satisfeitos. Quando olhei pra eles hoje, pros meus pequenos mestres, eu senti: até que enfim estava no lugar certo.